Embora aprendesse rapidamente o que lhe agradava, mostrava-se sempre inquieto e, na escola, não conseguia concentrar-se na leitura, na escrita e na aritmética. Preocupado, o pai o colocou aos cuidados de um ourives, seu amigo, chamado Botticello, de grande destaque em seu ofício.
Na época era comum existirem relações de amizade estreitas entre os ourives e os pintores e Sandro, que era um menino engenhoso e apaixonado pelo desenho, sentiu-se atraído pela pintura e decidiu consagrar-se a ela.
Quando manifestou seu desejo ao pai, o mesmo o levou para estudar com Frei Fillippo de Carmine, admirável pintor da época. Sandro, dedicado de corpo e alma à sua arte, imitou tão bem o seu mestre que o aprendiz alcançou uma perfeição que ninguém considerava ser possível em muito pouco tempo.
Era ainda jovem quando pintou para a Mercantazia de Florença uma Fortaleza, para a série das Virtudes executadas por Antonio e Piero del Pollajuolo. Na capela dos Bardi, em Santo Spirito, Florença, pintou uma faixa cuidadosamente executada e finalizada com grande requinte, contendo oliveiras e palmeiras reproduzidas com perfeição.
Na Casa dos Medici, realizou muitas obras. Em Santa Maria Maggiore, em Florença, há uma Piedade com pequenas figuras, ao lado da Capela dos Panciatichi. Fez pinturas para várias casas da cidade e um bom número de nus femininos, duas das quais se destacam: Nascimento da Vênus, soprada para a terra pelas brisas, com cupidos; e uma Vênus, acompanhada pelas Graças, que a cobrem de flores, representando a Primavera.
Na mesma época, recebeu o encargo de pintar uma pequena faixa com figuras, que foi colocada em Santa Maria Novella, na parede principal da igreja, entre duas portas. O tema é a Adoração dos Reis Magos, notável pela emoção do homem velho, que transborda de amor ao beijar os pés de Cristo, demonstrando claramente ter alcançado o fim de sua longa jornada.
A beleza das cabeças na cena é indescritível; suas atitudes são todas diferentes: algumas totalmente de frente, outras de perfil, outras inclinadas e de muitas outras maneiras, enquanto as expressões dos acompanhantes também são variadas, demonstrando a maestria do artista. Além disso, Sandro diferenciou perfeitamente o séquito de cada rei. É uma obra de cores, desenhos e composição primorosa.
Esta pintura trouxe tal reputação a Sandro em Florença e fora dela que o Papa Sisto IV lhe confiou a direção da decoração da capela que estava construindo em seu palácio, em Roma. Desta forma, ganhou maior renome ainda entre muitos rivais que estavam trabalhando com ele, florentinos e de outras cidades, e recebeu do Papa uma boa soma de dinheiro, que gastou todo durante sua estadia em Roma, voltando em seguida para Florença.
A partir de então, comentou e ilustrou uma parte da obra de Dante Alighieri, mas sua vida começou a sofrer diversos revezes. Vários outros desenhos seus apresentaram uma qualidade inferior, salvo o trabalho no Triunfo da Fé de Frei Girolano Savonarola de Ferrara. Como membro da seita do frei, este o levou a abandonar a pintura e, como não tinha renda, passou por sérias dificuldades.
Biagio, entrando no atelier, colocou bem alto a pintura e saiu. Em seguida, Sandro e outro aluno, chamado Jacopo, fizeram oito chapéus de papel - como os que usavam os cidadãos de Florença - e os colaram com cera branca nas cabeças dos anjos que rodeavam a Virgem na pintura de Biagio.
Na manhã seguinte, Biagio voltou com o homem que havia comprado a pintura e que havia sido avisado da brincadeira. Quando Biagio entrou no atelier e olhou para cima, sua Virgem estava sentada, não em meio aos anjos, mas entre cidadãos de Florença, com seus chapéus. Estava a ponto de desculpar-se diante do comprador, mas este último nada falou, elogiando a pintura. Finalmente, Biagio foi à sua casa e recebeu o pagamento estipulado por Sandro.
Nesse meio tempo, Sandro e Jacopo retiraram os chapéus e, quando Biagio voltou, viu que seus anjos eram anjos novamente. Atônito, não sabia o que dizer e, por fim, voltou-se para Sandro e lhe disse: “Mestre, não sei se estou sonhando ou desperto. Quando vim aqui, estes anjos tinham chapéus vermelhos em suas cabeças e agora não têm nada; o que isso significa?”
Sandro respondeu-lhe: “Deves estar louco, Biagio; este dinheiro transtornou tua cabeça. Se isso tivesse acontecido, acreditas que o cidadão teria comprado a pintura?”
Outra passagem que se conta sobre Sandro é que certa vez foi morar ao lado de sua casa um tecelão, que abriu uma oficina onde formou oito aprendizes, os quais faziam tanto ruído quando estavam trabalhando que ensurdeciam Sandro e toda a casa trepidava, pois as paredes eram finas. Sandro não conseguia trabalhar e nem ficar em sua casa. Por várias vezes pediu ao vizinho que tomasse providências, mas este respondia que em sua casa poderia fazer tudo o que quisesse.
Isso o irritou e, como a parede de sua casa era mais alta que a do vizinho e não muito sólida, colocou acima desta uma enorme pedra, equilibrada de tal forma que ao menor movimento poderia cair e quebrar as paredes, o teto e os teares do vizinho. Aterrorizado diante desse risco, o tecelão dirigiu-se a Sandro que, adotando sua própria frase, respondeu que, como estava em sua casa, poderia fazer o que quisesse. Não podendo obter outra satisfação, o homem foi obrigado a concordar e passar a agir como um bom vizinho.
Conta-se também que, por brincadeira, Sandro acusou de heresia a um amigo, que se apresentou e perguntou quem o havia acusado e de quê. Ao saber que fora Sandro quem havia dito que ele sustentava a opinião dos epicuristas de que a alma morria com o corpo, pediu para que seu acusador comparecesse diante do juiz. Quando Sandro chegou, disse: “É verdade que tenho essa opinião sobre a alma deste homem, porque é um bruto. Não pensam vocês que é um herege, já que, sem nenhuma educação e quase sem saber ler, comenta Dante, usando seu nome em vão?”
Diz-se que Sandro apreciava muitíssimo a todos os que se dedicavam ao estudo das artes e que ganhou muito dinheiro, mas desperdiçou tudo devido à sua negligência e aos seus excessos.
Quando envelheceu e se tornou inútil, caminhava amparado em duas muletas, pois não podia manter-se em pé e, nesse estado de decrepitude, morreu aos setenta e oito anos, sendo enterrado em Ognissanti, a 17 de maio do ano de 1515.