Para outros, alcançam profundezas indevassáveis, desacomodam conceitos, contestam lugares-comuns, desafiam “felicidades artificiais”.
Mais do que tudo, os versos de Pessoa traduzem a sensibilidade humana, a consciência da fragilidade, o desencanto, a impotência, a natureza cindida, ao mesmo tempo ácida e ridiculamente romântica.
Seu sensível coração de poeta escreveu com lucidez, tristeza, melancolia, mas também com a substância do sonho, que não deixa de representar, também, uma profunda esperança.
Habitada por Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, sua alma se revelou tão inteira e tão próxima de quem o lê que, mais do que palavras, seus versos são espelhos.
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!"
Essa dispersão de múltiplas faces que compõe um homem excessivamente grandioso para encerrar-se em uma única existência, essa felicidade em sonhar apesar da desesperança, essa transcendência jamais alcançada por outro poeta... isso tudo, e muito mais do que se possa sentir (mais do que dizer) é Fernando Pessoa.
Apesar disso, Pessoa nunca foi pessimista; foi triste, dignamente triste, em seu coração "vazio": “[...] O meu coração insatisfeito, o meu coração mais humano do que eu, mais exacto que a vida”.
É, sobretudo, reencontrar infinitamente um talento sem precedentes e, através dele, a certeza de que a vida é um palpitar incessante de outras vidas.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado”.
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar”.