Nascido em 21 de junho de 1839 e falecido em 29 de setembro de 1908, permanece como um escritor venerado, possivelmente o maior das letras brasileiras, respeitado e reconhecido internacionalmente por uma obra vasta, diversa, eminente e requintada.
Seus escritos, exaustivamente relidos e reinterpretados, possuem um caráter universal que se adequa a cada momento histórico, senão pelo texto em si, mas por desvelarem psicologicamente personagens que não perdem jamais sua atualidade.
Machado de Assis foi jornalista, poeta, escreveu comédias, romances e contos. A qualidade e a excelência de seus escritos são incontestáveis.
O estudo da sua obra envolve considerações sobre o amadurecimento de um escritor cujo talento aflorou após um largo período, vindo a destacar-se numa época na qual o Romantismo brasileiro encontrava-se em franca decadência.
Como forma de situar a criação literária do escritor, a crítica costuma dividir em duas etapas a sua obra, sendo a primeira considerada de menor significado, com características do Romantismo e a segunda, mais destacada, na qual se revela o amadurecimento do homem sobre seus escritos.
Esta segunda fase, sobretudo, é plena de fatores psicológicos, sociais e culturais, de uma preocupação em compreender os personagens, analisando introspectivamente seus costumes, suas sensações, seus sentimentos diante das situações.
Efetivamente, um dos aspectos mais grandiosos Machado de Assis corresponde à capacidade e observar psicologicamente, à poderosa crítica moral e de costumes, com a ideal dosagem de ironia e de pessimismo que o mantiveram, através dos séculos, como o maior dos escritores brasileiros.
Seu estilo é marcado pela correção gramatical, pela propriedade com que emprega cada termo e pela forma simples de sua forma. O conhecimento das formas clássicas de construção literária origina uma obra de grande cuidado gramatical, sem profusão ou impulsos de eloquência ou fluência exageradas.
Não procura destacar a paisagem, não atribui valor preponderante às descrições, não se preocupa em apresentar cenas da natureza e tampouco da história e da vida humana. Estabelece, contudo, a imagem exata do espírito de seus personagens, o contorno preciso de sua índole psicológica, uma notável facilidade para a reflexão e uma capacidade de repassar sistematicamente os fatos e as impressões que esses causam, orientando-se pelo bom senso e pela observação.
Machado de Assis se debruça sobre a sociedade e a contempla com ceticismo e sarcasmo. Sua crítica é tão aguçada que nem mesmo sua própria personalidade a explica, posto que não é triste, nem pessimista e, tampouco, doentia, não cabendo na classificação simplista de que sendo ele mestiço, sofrendo de gagueira e de epilepsia, fosse um pessimista pura e simplesmente. É, sim, um escritor crítico, social e politicamente cético, e essas são marcas de seu caráter e não apenas de sua personalidade.
Elabora, nesse sentido, uma prosa pontuda pela correção, pela simplicidade, pela propriedade das imagens, das comparações e dos qualificativos. Suas frases são medidas, repensadas, elaboradas com apuro, de tal forma que certas palavras dão a nítida impressão de ornamentos ao sentido da prosa, fornecendo um misto de velado humor e de discreta poesia e, na maioria das vezes, de uma ironia fina e peculiar.
Senhor de uma inspiração única, de um pensamento e de uma expressão privilegiadas, com absoluta sinceridade retrata o homem em sua ingenuidade e em sua astúcia. O estigma de ser humano é exposto de forma coerente com sua visão peculiar da espécie humana, sem preocupar-se em agradar, mas, sobretudo, com uma inteligência que despreza e ironiza a importância que os homens dão ao sentimento e à ação.
O fator psicológico através do qual caracteriza cada personagem não é algo pensado intencionalmente, mas uma consequência da análise que procura fazer de sua alma, ou seja, da ironia com que percebe seus personagens desenha os perfis psicológicos que revelam seus segredos.
Em se falando no pessimismo machadiano, pode-se fazer referência à sua capacidade para esboçar a vida e os homens como os via, com um sentimento de descrença, uma consciência do seu egocentrismo, de sua propensão à sensualidade, de sua ingratidão e insensatez, de seus sentimentos vis e mesquinhos.
Talvez nesse ponto também pese sua mestiçagem, sua saúde frágil, sua condição econômica, mas também – e com maior força – uma abordagem filosófica niilista, sem empatia em relação ao ser humano, completamente indiferente em relação ao que sente, sofre ou espera.
Entre a ironia e o pessimismo, sua narrativa desenvolve um caminho excepcional, através do qual é crítico dos costumes, psicólogo e filósofo, causando perplexidade pela naturalidade com que se afasta friamente do homem e dele se aproxima de forma quase piedosa. Consegue ser, ao mesmo tempo, frio e apaixonado, sereno e convulso, elegante e violento – desafiador, portanto, como grandioso escritor e incômodo filósofo.
Machado de Assis é, definitivamente, um bruxo: singular, de uma densa simplicidade e uma fascinante clareza – encantamentos que aprofundam significados e tecem complexas redes de interpretação. Nada se pode concluir de sua obra, porque o mistério não permite traduções; pode-se senti-la, mas não abranger sua totalidade e toda e qualquer tentativa de fazê-lo apenas demonstra a ambiguidade do conceito estabelecido.
O modo pelo qual representa a realidade traz consigo a sutileza em relação ao não-dito. As ambiguidades, que em que vários sentidos dialogam entre si, lançam incertezas sobre a própria história narrada. Todo o enredo se tece a partir de gestos, olhares, entrelinhas, de forma discreta. Os personagens vivem histórias de amor, estados de alma, impulsos, costumes, dramas de consciência, hábitos, sentimentos íntimos, peculiares, essencialmente humanos, idiossincrasias.
Natural, precisa e elegantemente compõe uma unidade de inspiração, de pensamento e de expressão, centrada em comportamentos e sentimentos, expressão da essência de um indivíduo, de uma instituição social, de uma faceta qualquer da tão variada tipologia de sua ficção. Opta por revelar primeiramente a face abominável do mundo e provoca através da inversão de valores, de questionamentos pessoais, de críticas dirigidas ao e do desafio aos preconceitos e cristalizações ideológicas.
É possível, inclusive, afirmar que ninguém lê Machado de Assis por sua própria vontade, mas sempre pela vontade do escritor, que desvia a atenção para os mais íntimos sentimentos e a mais profunda percepção de valores e sentidos. Diferentemente de muitos, tem o dom de construir sua narrativa reforçando sua visão do mundo, do ser humano, da vida e da forma como se organizam as ideias e as percepções do leitor, para conduzi-lo por caminhos por onde transitam, soberanas, nada mais do que as suas próprias ideias e percepções.
Sua fina ironia é tanto mais forte quanto envolvente, invertendo as posições do texto e do leitor, porque o prende de forma tão intensa que este se funde indissociavelmente ao seu universo narrativo, sendo absorvido por ele de tal forma que já não se dissocia do personagem. Até mesmo seus silêncios preveem não grandes revelações, mas mistérios que permanecerão ocultos, para que não se quebre o encanto por uma inesperada lucidez. Quando insinua algo, impõe uma referência psicológica ou filosófica, mas nunca a facilidade de uma interpretação definitiva.
A riqueza de detalhes na narrativa colabora para o verossímil. A ideia de realidade se reforça pela descrição de pormenores, pelos detalhes sensíveis, pela palavra que melhor exprime a intenção do enunciado, pelos termos mais sugestivos do que definidores, extraindo das palavras suas possibilidades de entrever com maior profundidade o caráter do indivíduo, seu drama pessoal, suas particularidades psicológicas.
As perspicazes compreensões da natureza humana (das mais sádicas às mais benevolentes), com maior ou menor dosagem de sordidez, os comportamentos duvidosos e nunca desvendados nos seus segredos e intenções, compõem uma análise da alma humana tão aguda, tão rara, que não pode ser alcançada, que não se esforça para simplificar-se e, provavelmente por isso, se tornou transcendentalmente eterna.