(James Douglas Morrison, in Os Senhores)
Estas palavras, ditas por Jim Morrison, poderiam, talvez, justificar sua vida. O legendário líder do The Doors, falecido em 3 de julho de 1971, aos vinte e sete anos, deixando tantas perguntas sem respostas, pode ter sido um deus do rock, um ícone sexual, um poeta beatnik, um homem obcecado e brilhante, ou muito mais do que isso...
Antes de qualquer coisa, Jim Morrison foi um lutador, em constante batalha consigo mesmo, para não se converter em um espectador da própria vida. Tal como escreveu em Os Senhores, sua inquieta evasão da contemplação existencial o conduziu, finalmente, à autodestruição.
Jim Morrison morreu experimentando a vida.
Viveu apenas vinte e sete anos. Em 1971, seu aspecto era o de um homem de quarenta anos, não pelo envelhecimento prematuro a que o conduziram o alcoolismo e as drogas ou pelo descuido com o próprio aspecto, mas pelo olhar do homem experimentado, que viveu o suficiente para não ver tudo com certa indulgência, um abandono amoroso, uma tranquilidade reflexiva.
Seus últimos meses transcorreram em Paris junto a Pamela Courson, seu eterno e atormentado amor. Estava cansado dos holofotes e queria dedicar-se a escrever poesia e passear seus sonhos por Paris, como Verlaine de Rimbaud.
Porém, o Jim Morrison de 1971 era, também, um jovem de vinte e sete anos, que apenas dois anos antes incendiava os palcos com sua figura (sua série e fotos mais famosa, The Young Lion, que hoje é estampa de camisetas, pôsteres e todo tipo de merchandising, realizada em 1967 por Joel Brodsky, havia sido feita há apenas quatro anos).
A imagem de um Jim Morrison no auge de sua carreira, posando provocativamente para a câmera, o torso nu, com um colar de contas estilo indie, os cabelos castanhos cuidadosamente despenteados, os olhos azuis olhando intensamente, ainda eram a sua imagem mais recente, uma combinação de rebeldia e uma beleza angelical.
Ray Manzarek percebeu em Jim essa aura de divindade que, junto com sua criatividade poética, foi a semente e a alma do The Doors. Com Robby Kreeger e John Densmore, abriram “as portas da percepção” de uma forma que o próprio William Blake talvez não tenha concebido.
No mesmo ano em que nasceu o The Doors, o exército americano efetuou um bombardeio intensivo sobre o Vietnam, organizando um violento massacre. Entre a população americana surgiam os movimentos contraculturais sob o tema Peace and Love, acompanhado por flores e novas drogas, como o LSD e as anfetaminas, que afastavam da realidade e estabeleciam um mundo paralelo e um tempo “de viver, de mentir, de rir, de morrer”, como diz Jim Morrison em Take It As It Comes.
Jim Morrison não foi hippie, mas teve contato com a poesia da geração beat, especialmente com Michael McLure, que impulsionou a contracultura na década de sessenta. Por detrás da fachada de provocação em que se escondia, foi além: a leitura dos poetas românticos ingleses desde a adolescência, os estudos de cinema na Universidade de Los Angeles, uma inteligência surpreendente, conferiam a ele a capacidade de criar um personagem na medida exigida pela sociedade nesse momento, relegando a segundo plano seu lado poético, sensitivo e filosófico. Indo ainda mais além, Jim Morrison foi, sobretudo, sua própria criação, até o momento em que se cansou de representar esse papel.
Tudo o que escreveu refletiu um mundo que desmoronava vertiginosamente, o sangue que invadia os telhados e as palmeiras de Venice Beach, o verão, o amor, o naufrágio existencial e romântico na forma de um barco de cristal, os anjos perdidos na caótica cidade de Los Angeles.
Mr Mojo Risin, um dos temas definitivos na história do rock, sempre atribuiu sua rebeldia a um fato ocorrido na infância, quando viajava com a família e presenciou um acidente em que vários índios morreram e outros agonizaram na estrada.
Segundo a lenda, quando alguém vê um índio morrer, a alma deste reencarna no espectador. Isso se repete obsessivamente nas letras de suas canções: índios sangrando dispersos na estrada do amanhecer, fantasmas invadindo a mente de um menino... O material disponível sobre Jim Morrison faz poucas alusões à sua vida espiritual. Sabe-se que sempre se mostrou atraído por transcender as experiências, principalmente em suas apresentações, convertendo-as em rituais de limpeza e de cura.
O modelo do xamanismo conduziu essas experiências, que se refletiram no que escreveu, no que produziu e em toda a sua vida. Sua experiência com o xamanismo, iniciada nesse momento, a que acrescentou estudos metafísicos e da filosofia oriental, além de outras tradições esotéricas, desenvolveram-se ao longo de toda sua trajetória como homem e como artista.
Jim Morrison sentiu, durante toda a vida, um autêntico amor pela liberdade, por não estar preso a nada nem ninguém, um impulso que o conduzia a permanecer durante dias no deserto, sem avisar a ninguém, e a não conseguir estabelecer relações sentimentais.
Como ícone sexual, teve inúmeras aventuras, embora apenas com Pamela Courson viveu uma relação turbulenta, interrompida por constantes discussões e separações, mas constante até o final de sua vida - talvez o amor entre eles tenha sido mútuo e verdadeiro.
Ao menos dois de seus livros de poemas, Os Senhores e As novas Criaturas são dedicados a Pamela. Outros, como Deserto e Uma oração americana, foram publicados postumamente graças a ela, que organizou todas as suas notas. Nestes poemas revela-se um Jim Morrison mais profundo, essencial e sensitivo, sem a máscara do personagem.
Embora tenham surgido inúmeras lendas e teorias de que Jim Morrison teria forjado a própria morte para livrar-se definitivamente do personagem, toda a sua vida indicou que não haveria outra forma de morrer senão a que oficialmente é aceita.
Ironicamente, faleceu inclusive mais jovem do que Arthur Rimbaud, a quem idolatrava, embora, diferentemente dele, não havia esgotado ainda sua capacidade criativa e tinha em mente inúmeros projetos literários e cinematográficos.
Jim Morrison morreu no momento em que o grande poeta que permanecera adormecido dentro do ídolo nascia. Sua voz, inquietante e agitada, mística, errática, eufórica, sussurra ainda na dimensão entre a vida e a morte, limites impostos por nossa frágil condição humana, mas que nada representam diante do poder de um xamã:
Posso tornar-me gigantesco e alcançar
as coisas mais distantes. Posso mudar
o curso da natureza.
Posso transportar-me a qualquer parte
do espaço ou do tempo.
Posso convocar os mortos
Posso perceber acontecimentos em outros mundos
no mais profundo da minha mente
e na mente dos outros.
Eu posso
Eu sou.