Porém, ao mesmo tempo, sua linguagem é transparente e as construções que faz, por mais fantásticas que possam ser, são apresentadas em termos simples, sedutores.
A leitura de Borges é o contato com uma imaginação tão fértil que, aos 31 anos, já havia publicado seis livros: três de poesia e três coletâneas de ensaios. Entre 1939 e 1949 escreveu e publicou praticamente toda a sua obra de ficção.
Marcado pelo estigma da cegueira, que o alcançou aos 55 anos, influenciado por Paul Valery, Schopenhauer, Dante e por temas esotéricos, como a cabala, também foi tradutor de Whitman, Poe, Joyce, Faulkner, Virgínia Woolf, Kafka e poemas épicos de inglês arcaico e nórdico antigo. De todas essas influências construiu histórias de detetives, elaborou cenários de ficção científica, indagou como filósofo e narrou como historiador.
O universo que criou é, essencialmente, o de um mundo contido em uma biblioteca; por vezes, um extenso labirinto, um jogo de adivinhações, parábolas nas quais o sujeito é o tempo e que se repetem em muitas de suas obras, em construções que, mais que ficcionais, são arquitetônicas, concretas, palpáveis, descritas como a Biblioteca de Babel, “composta por um tempo indefinido, talvez infinito, o número de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no meio, cercados por varandas baixíssimas".
No interior de seu labirinto, do fundo de seus espelhos, Borges escreveu notas sobre livros imaginários, especulando que cada livro se atualiza continuamente, através de cada leitor.
Sem sua influência, não teria sido possível a construção da obra de tantos outros escritores latino-americanos. Sua influência é tão profunda que dificilmente se encontra um escritor contemporâneo importante que não tenha sido tocado por Borges, direta ou indiretamente, como Cortázar em seus contos, como Roberto Bolaño em todos os seus romances, como García Márquez em sua obra espetacular.
Transcorridos 29 anos de sua morte, ocorrida em 14 de junho de 1986, sua grandiosidade não decresceu. Pode ser seguramente nomeado o escritor mais importante do século XX, tradutor, gênio, criador de um novo continente literário entre a Europa e a América, entre a tradição do velho mundo e a juventude do novo.
Sua originalidade, contudo, também ensina que nada é novo, que tudo é recriação, que existe apenas uma única mente, contraditória, conectando a todos através do tempo e do espaço. Ensina que os homens não fabricam a ficção - são ficções -, porque tudo o que é pensado, visto, percebido, conhecido, não passa de ficção.
O Aleph, o ponto de intersecção entre tempo e espaço, que contém todos os tempos e todo o universo, desvela o espaço real, vertiginoso e dinâmico em que se situa Jorge Luis Borges e seu legado inesgotável.
Borges permanece vivo. Da imensa biblioteca em que se agora se encontra, continuamente reescreve a ficção em que nos movemos, percorre nossos labirintos, reflete-se em todos os nossos espelhos.