(anos-luz, anos-treva)
Ler, ver,
e entre o V e o L
entrever aquele
R
erre
que me (rêve) revele
R
Ler trevas. Nas letras, ler tudo o que de ler não te atrevas. Ler mais. Ler além. Além do
Leminski é o poeta de uma nova sensibilidade, a raiz de uma libertação da palavra, o despertar do espaço de uma escrita maior, que necessita apenas da concisão para estabelecer o infinito.
Poeta maior, radical em sua expressão, livre em seu estilo, lúcido, irônico, lúdico, desconstrói o pathos para transformá-lo em projeções filosóficas que, por sua vez, evocam sentimentos e são vertidas em imagens, sensações, representações únicas de coisas infinitas, traduzidas em um único som.
Sua poesia é uma das mais surpreendentes dentre os poetas brasileiros, articulando-se através de um exercício de síntese do sentido e do sentimento, uma articulação do minimalismo melódico e de um engenho livre e criativo como poucos.
Orgulhoso de sua ascendência polonesa e africana, Leminski foi tradutor, professor, compositor, crítico literário e um escritor fabuloso. Estudou grego, latim, francês, inglês, japonês e russo e traduziu James Joyce, Lawrence Ferlinghetti, Samuel Beckett, Yukio Mishima, John Fante, Alfred Jarry, Petrônio, dentre outros tantos.
Escritor de poemas perfeitos, de gêneros ilimitados, de uma escrita elegante, inteligente e completa, intimista e universal, tornou-se venerado como um ícone da cultura brasileira, reverenciado em sua ironia profunda e em sua ácida lucidez.
O “anarquista zen”, o “bandido que sabia latim”, o “canalha erudito”, morto ainda jovem, ressignificou a poesia brasileira, porque acreditou na experimentação e na arte pela arte, na arte como sua própria razão de ser. Manipulou as palavras utilizando todos os recursos possíveis na língua portuguesa, o jogo de palavras, as composições híbridas que ressaltam significados e instauram reflexões que tendem a aprofundar-se até a exaustão (que ainda permite seguir em frente) ou ad infinitum.
Com poemas comparados com E. E. Cummings e Charles Bukowski, iniciou-se na poesia como poeta concreto e, mais tarde, adotou a ideia da “poesia marginal”, com poemas impressos e distribuídos pelas ruas. Fascinado pelo Tropicalismo, pela Geração Beat e pelo haiku, sua dedicação em estabelecer uma linguagem própria o distingue definitivamente.
De sua obra, Caprichos e Relaxos (1983) e Distraídos Venceremos (1987) são pontos de referência. Neste último livro, o rigor e a intertextualidade são claros. Ainda, em Catatau (1975), a narrativa neobarroca estabelece um estilo que ainda hoje é cultuado e permanece ímpar como obra criativa na literatura brasileira.
A criatividade, a personalidade e a irreverência de Leminski ainda têm muito a revelar. Que sua palavra diga o que a poesia significou para ele e, essencialmente, o que Paulo Leminski significa para a poesia:
Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
Soo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.