Rubén Darío nasceu em Metapa, Nicarágua em 18 de janeiro de 1867, em um povoado que hoje se chama Ciudad Darío. Seus pais o batizaram Félix Rubén García Sarmiento e em suas veias corria sangue de índio e de negro, como ele próprio afirmou. O nome Rubén Darío foi adotado por ser mais sonoro e por possuir conotações clássicas. Criado em León, cidade política e intelectualmente ativa, adquiriu vasta e profunda cultura durante a infância e a adolescência. Por isso, apesar de viver na periferia do mundo, era extraordinariamente culto.
Foi o líder de uma revolução literária que se expandiu ao longo do mundo de fala espanhola e transformou todos os gêneros literários e não apenas a poesia. Modernizou o verso castelhano imprimindo-lhe as formas e o espírito italianos durante o século XVI, conduzindo a literatura à modernidade ao incorporar-lhe ideais estéticos e as ansiedades do Parnasianismo e do Simbolismo franceses.
Revolucionou profundamente o verso castelhano, embora seja praticamente desconhecido fora dos círculos hispânicos. Contudo, sua importância é decisiva porque seu estilo e estética são tão contemporâneos quanto as polêmicas que sua obra despertou entre poetas, professores e críticos.
Fundador do Modernismo da América Latina de língua espanhola, teve profundo impacto em todos os níveis da cultura hispânica. Mais que um poeta nicaraguense ou hispano-americano foi, por excelência, o poeta da língua espanhola e a primeira figura literária realmente célebre na história das letras da Espanha e da América Latina, que reconheceram sua voz poética como a mais original e moderna surgida até então.
A evolução da obra de Rubén Darío
Azul foi uma obra de grande influência pelo estilo minucioso, através de seus poemas e contos que invocavam o mítico mundo de fadas, princesas e artistas incompreendidos, que perseguiam um ideal estético, de beleza, que fosse capaz de restaurar a unidade e a harmonia do universo. Essa foi a missão da arte que Darío abraçou com fervor, mesclando o catolicismo com indagações sobre o ocultismo e outras tendências em voga no final do século.
Os artistas de Azul são personagens cujos propósitos ou anseios sempre são frustrados, por sua inevitável associação com aristocratas decadentes. Há, portanto, uma fratura entre o ideal aspirado por Darío e a possibilidade de alcançá-lo, o que demonstra o tom melancólico de sua poesia.
Contudo, na realização de seus poemas ou de sua prosa não há rupturas, pois estas estão purificadas de lugares comuns, elevando as formas poéticas a níveis de perfeição, em que pese um tom de dúvida quanto a si mesmo e a sua arte. Por isso, elege o cisne como emblema de sua arte poética: nele se combinam a pureza artística e o melancólico sinal de interrogação de suas formas.
Sua poética se desenvolveu em dois períodos: no primeiro, é um escritor estético e no segundo, mais reflexivo, como se observasse a si mesmo através de um espelho côncavo. Segundo seus primeiros estudiosos, a segunda etapa inicia com o verso inicial do primeiro poema de Cantos de vida e esperança (1905): “Yo soy aquel que ayer no más decía” (Eu sou aquele que ontem dizia).
Yo soy aquel que ayer no más decía
el verso azul y la canción profana,
en cuya noche un ruiseñor había
que era alondra de luz por la mañana.
El dueño fui de mi jardín de sueño,
lleno de rosas y de cisnes vagos;
el dueño de las tórtolas, el dueño
de góndolas y liras en los lagos;
y muy siglo diez y ocho y muy antiguo
y muy moderno; audaz, cosmopolita;
con Hugo fuerte y con Verlaine ambiguo,
y una sed de ilusiones infinita.
Yo supe de dolor desde mi infancia,
mi juventud.... ¿fue juventud la mía?
Sus rosas aún me dejan su fragancia...
una fragancia de melancolía...
Potro sin freno se lanzó mi instinto,
mi juventud montó potro sin freno;
iba embriagada y con puñal al cinto;
si no cayó, fue porque Dios es bueno.
En mi jardín se vio una estatua bella;
se juzgó mármol y era carne viva;
una alma joven habitaba en ella,
sentimental, sensible, sensitiva.
Y tímida ante el mundo, de manera
que encerrada en silencio no salía,
sino cuando en la dulce primavera
era la hora de la melodía...
Hora de ocaso y de discreto beso;
hora crepuscular y de retiro;
hora de madrigal y de embeleso,
de «te adoro», y de «¡ay!» y de suspiro.
Y entonces era la dulzaina un juego
de misteriosas gamas cristalinas,
un renovar de gotas del Pan griego
y un desgranar de músicas latinas.
Con aire tal y con ardor tan vivo,
que a la estatua nacían de repente
en el muslo viril patas de chivo
y dos cuernos de sátiro en la frente.
Como la Galatea gongorina
me encantó la marquesa verleniana,
y así juntaba a la pasión divina
una sensual hiperestesia humana;
todo ansia, todo ardor, sensación pura
y vigor natural; y sin falsía,
y sin comedia y sin literatura...:
si hay un alma sincera, esa es la mía.
La torre de marfil tentó mi anhelo;
quise encerrarme dentro de mí mismo,
y tuve hambre de espacio y sed de cielo
desde las sombras de mi propio abismo.
Como la esponja que la sal satura
en el jugo del mar, fue el dulce y tierno
corazón mío, henchido de amargura
por el mundo, la carne y el infierno.
Mas, por gracia de Dios, en mi conciencia
el Bien supo elegir la mejor parte;
y si hubo áspera hiel en mi existencia,
melificó toda acritud el Arte.
Mi intelecto libré de pensar bajo,
bañó el agua castalia el alma mía,
peregrinó mi corazón y trajo
de la sagrada selva la armonía.
Oh, la selva sagrada! ¡Oh, la profunda
emanación del corazón divino
de la sagrada selva! ¡Oh, la fecunda
fuente cuya virtud vence al destino!
Bosque ideal que lo real complica,
allí el cuerpo arde y vive y Psiquis vuela;
mientras abajo el sátiro fornica,
ebria de azul deslíe Filomela.
Perla de ensueño y música amorosa
en la cúpula en flor del laurel verde,
Hipsipila sutil liba en la rosa,
y la boca del fauno el pezón muerde.
Allí va el dios en celo tras la hembra,
y la caña de Pan se alza del lodo;
la eterna vida sus semillas siembra,
y brota la armonía del gran Todo.
El alma que entra allí debe ir desnuda,
temblando de deseo y fiebre santa,
sobre cardo heridor y espina aguda:
así sueña, así vibra y así canta.
Vida, luz y verdad, tal triple llama
produce la interior llama infinita.
El Arte puro como Cristo exclama:
Ego sum lux et veritas et vita!
Y la vida es misterio, la luz ciega
y la verdad inaccesible asombra;
la adusta perfección jamás se entrega,
y el secreto ideal duerme en la sombra.
Por eso ser sincero es ser potente;
de desnuda que está, brilla la estrella;
el agua dice el alma de la fuente
en la voz de cristal que fluye de ella.
Tal fue mi intento, hacer del alma pura
mía, una estrella, una fuente sonora,
con el horror de la literatura
y loco de crepúsculo y de aurora.
Del crepúsculo azul que da la pauta
que los celestes éxtasis inspira,
bruma y tono menor —¡toda la flauta!,
y Aurora, hija del Sol— ¡toda la lira!
Pasó una piedra que lanzó una honda;
pasó una flecha que aguzó un violento.
La piedra de la honda fue a la onda,
y la flecha del odio fuese al viento.
La virtud está en ser tranquilo y fuerte;
con el fuego interior todo se abrasa;
se triunfa del rencor y de la muerte,
y hacia Belén... ¡la caravana pasa!
Em castelhano, o primeiro verso desse poema se converteu em uma forma nostálgica de dizer que já não somos o que éramos. A autocrítica presente na primeira estrofe – “Yo soy aquel” – levou muitos a acreditarem em dois Daríos: um apaixonado por várias pirotecnias verbais e o outro atormentado por inquietudes artísticas e existenciais.
Embora seja certo que Darío carregava o peso de seu próprio êxito e de sua fama, os Cantos de vida e esperança apenas deixavam claro o que, em livros anteriores, aparecia implícito: sua angústia diante de um universo absurdo, a fútil busca de um ideal estético e a inevitável necessidade de buscá-lo, a ilusória e enganosa natureza da linguagem, a sensação de vazio interior e a decepcionante consecução do amor erótico.
Na verdade, é um único Darío, demonstrado em sua última poesia, quando os poemas adquiriram um tom mais político e refletiram um novo sentido de autoridade que autorizava o poeta a falar em nome do mundo hispânico. Isto é evidente em Canto a Argentina (excerto abaixo), um poema longo que prenuncia o que viria a ser o Canto Geral de Neruda:
¡Argentina! ¡Argentina!
¡Argentina! El sonoro
viento arrebata la gran voz de oro.
Ase la fuerte diestra la bocina,
y el pulmón fuerte, bajo los cristales
del azul, que han vibrado,
lanza el grito: Oíd, mortales,
oíd el grito sagrado.
A evolução de suas ideias
Embora os modernistas aplaudissem a independência de Cuba, de Porto Rico e de outras colônias do extinto império espanhol, também começaram a demonstrar preocupação pelo surgimento dos Estados Unidos como um novo poder imperial. Os Estados Unidos haviam vencido a Espanha, mas ao menosprezarem o exército cubano de libertação, excluindo-o da vitória, atrofiaram o crescimento político e independente da ilha.
Darío e outros modernistas percebiam que, diante do expansionismo norte-americano, o mundo hispânico estava desamparado política e culturalmente. Aqueles países do continente americano cujas origens culturais e religiosas podiam ser traçadas até a Roma antiga e a latinidade seriam conquistados e colonizados por um império anglo-saxão e protestante, cujo pragmatismo pretendia exclusivamente produzir progresso material.
Fazendo eco às ideias de Rodó, modernista uruguaio, Darío sustentava que os países latino-americanos deviam permanecer fiéis à sua cultura comum e à civilização do espírito que, em oposição aos Estados Unidos, valorizava a arte e o bom gosto mais do que o crescimento econômico e o consumo.
Ressaltou, com a mais absoluta propriedade: “A Espanha que eu defendo se chama Fidalguia, Ideal, Nobreza; se chama Cervantes, Quevedo, Góngora, Gracián, Velázquez; se chama El Cid, Loyola, Isabel; se chama A Filha de Roma, a Irmã da França, a Mãe da América”. Advertia assim à Espanha que ela havia feito de sua população civil um objeto militar na campanha de “terra arrasada” do general espanhol Valeriano Weyler em 1896.
Os poetas de língua espanhola da geração seguinte refutaram o primeiro Darío em favor do segundo, de uma linguagem e uma prosódia mais naturais, mas, com o passar do tempo, a maioria reconheceu a musicalidade de seus versos precedentes. Não há poeta em língua espanhola sobre quem se tenham produzido tantos ensaios, reconhecendo o mérito estético de toda a sua obra.
Há poetas que estão destinados a permanecer dentro dos limites das línguas nas quais se expressam, mas Rubén Darío, certamente, nasceu predestinado a conjurar esse destino...