Desenganado, na década de setenta tentou o suicídio, mas anos mais tarde, cineastas americanos, como Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg e Martin Scorsese financiaram a distribuição de seus filmes em todo o mundo, tornando-o finalmente conhecido, reconhecido e admirado.
Descendente direto de samurais, estudou Belas Artes em sua cidade natal, Tóquio, e foi também pintor. Em 1936, foi aprovado para trabalhar nos estúdios cinematográficos Toho e, em 1943, passou a produzir seus próprios filmes, em um total de trinta e um, entre 1943 e 1993.
A crítica o reconheceu como um grande cineasta por sua qualidade formal e pela profundidade de suas temáticas existenciais. Efetivamente, sua obra tem uma profundidade filosófica, uma sólida e original construção dramática e expressiva e um estilo acadêmico cerimonioso, pensado também para o público não oriental.
Kurosawa manteve a sua obra voltada para a cultura japonesa até o surgimento da “nova onda nipônica”, pela singular e valiosa busca estética, apesar de nunca ter renunciado à tradição de sua cultura, apesar de ter sabido ser também o mais universal dos cineastas asiáticos, um nome essencial na história do cinema mundial.
Certamente existem outros cineastas japoneses clássicos, como Kenji Mizoguchi, Hiroshi Inagaki, Kaneto Shindo, Masaki Kobayashi, Teinosuke Kinugasa e Yasujiro Ozu, mas Kurosawa foi mais universal que estes, pelo seu conhecimento da técnica cinematográfica, pelo domínio do sentido do ritmo e da montagem curta, pela expressividade do preto e branco e da cor e pela sua interpretação da tradição teatral japonesa.
Apesar de alguns críticos considerarem sua obra sentimental e reacionária, ainda que tenha sido um tanto nacionalista, o mestre soube sintetizar como nenhum outro os elementos plásticos e cênicos do teatro Noh e Kabuki com os elementos psicológicos e sociais. Estes se distinguem por serem duros enquadramentos e concepções pictóricas.
Sua influência foi definitiva em muitos jovens cineastas japoneses (como Takeshi Gitano), bem como sobre cineastas americanos (como John Sturges, Martin Ritt, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Steven Spielberg e George Lucas) e europeus (como Sérgio Leone e Jean-Pierre Melville).
A obra prima Rashomon, de 1950, foi ganhadora do Leão de Ouro do Festival de Veneza. O remake desse filme, em 1964, Quatro Confissões, de Martin Ritt, revelou definitivamente a existência do cinema japonês ao mundo ocidental, já que até então a ideia que existia desse cinema era a de produções dedicadas a narrar histórias de samurais.
Rashomon também obteve o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1951 e a produção de Kurosawa prosseguiu com filmes que se popularizaram em todo o mundo. Os Sete Samurais, de 1954, voltou a ganhar o Leão de Ouro em Veneza e igualmente um remake americano em 1960, Os Sete Magníficos, de John Sturges. Yojimbo, de 1961, deu origem a Por um punhado de dólares, de Sergio Leone, lançado em 1964.
Também A Fortaleza Escondida (1958), onde evocava o Japão Feudal do século XVI, foi a base de Guerra nas Estrelas, de George Lucas.
Talvez seu filme mais magistral seja Ikiru (Viver), de 1952, uma soberba meditação sobre a vida e a morte, que elevou Akira Kurosawa à altura dos humanistas do cinema, como Chaplin, Orson Welles, Bergman.... O filme foi selecionado, em 1962, como uma dentre as Dez Melhores Histórias do Cinema e remete a uma abordagem de desesperança quanto à condição humana, uma postura existencial não transcendente que reafirma o compromisso moral do homem para com os demais seres humanos.
No prodigioso Sonhos, Kurosawa aceitava a morte como ponto final e, ao mesmo tempo, condenava o homem pelo mal que havia feito ao mundo, em nome do progresso. Por isso se aferrava à vida, excluindo outra forma de perpetuidade, na qual não acreditava.
A obra se encontra inserida dentro da melhor tradição teatral do mundo oriental, mas perfeitamente traduzida para a linguagem cinematográfica. Divide-se em oito episódios independentes, que evocam relatos oníricos do próprio autor e possuem uma constante ao fundo: a morte.
O primeiro curta de Sonhos é A Raposa, curioso pesadelo onde Kurosawa aborda uma lenda enraizada na herança expressiva do teatro Kabuki, através dos olhos de um menino que surpreende, em um dia de sol nascente (que brilha através da chuva) um desfile de raposas, em uma procissão nupcial plena de poesia. O colorido é extraordinário, bem como a mímica dos atores e a cenografia e a música tipicamente japonesas.
Assim, também o segundo episódio, O Jardim dos Pessegueiros, é uma lembrança da infância, possuindo a magia do encontro do homem com o campo, com o mundo rural oriental, uma dança melancólica que remete ao teatro Noh.
Outros episódios são lembranças da juventude – A Nevasca e O Túnel. No primeiro se contempla (pois quase não há diálogos) uma escalada a um pico nevado em que os membros da expedição são vítimas de uma nevasca que, ao guia, parece a morte, que efetivamente surge, na forma de uma mulher. No segundo, o pesadelo de um capitão do exército, que após passar por um túnel após a derrota na Segunda Guerra Mundial, se vê diante dos fantasmas dos soldados mortos de sua companhia. Este episódio não está isento de certa crueldade, mas provoca a reflexão crítica do espectador.
Prosseguindo, o pintor Kurosawa é encarnado por um estudante que visita uma galeria de arte dedicada a Van Gogh, em Corvos, e fisicamente entra em seus quadros, sobretudo no famoso Campos de Trigo com Corvos. Seu passeio pelas paisagens impressionistas do mestre holandês resulta em imagens apaixonantes e originais, culminando com o encontro com o artista, interpretado por Martin Scorsese. A arte de Akira Kurosawa alcança sua plenitude nesse episódio.
Sonhos se articula de forma puramente humana, não transcendente, diferentemente da maioria das obras de Kurosawa, embora seja um retrato interior do cineasta, de sua vida, de suas lembranças e de suas experiências e temores, um filme intimista e, ao mesmo tempo, universal.
Sua última realização, Madadayo, de 1993, se estende em uma profunda reflexão humanística. Ainda que esse filme possa ser considerado seu testamento moral e existencial, não é tão artístico ou criativo como Sonhos. O velho professor, protagonista de Madadayo, vem a ser a projeção do próprio cineasta, cinco anos antes de morrer.
Ao longo de sua carreira, Kurosawa refletiu em seus trabalhos a essência filosófica e teológica da sociedade japonesa, mas neste último trabalho ofereceu algo mais: uma reflexão pessoal, individual e íntima, na qual penetra em um terreno que foge à ortodoxia filosófica e religiosa de seu país.