No contexto histórico, parece que o mundo necessitava precisamente de um personagem como Caruso. Com ele e por ele surgiu o verismo, outra forma de cantar e de ouvir a ópera, iniciaram-se as gravações em discos de 78 rpm, destacou-se a importância dos meios de comunicação mais populares, como o cinema e o rádio.
Tudo isso converteu Caruso no paradigma do imigrante italiano do início de 1900, sorridente, baixinho, comilão e mulherengo, mas, sobretudo, por sua potência de voz, pela voz requintada, pelo timbre quase baritonal e pelas emoções que transmite cada uma das frases do tenor por excelência, que ainda não foi superado como intérprete verista.
Seu legado sobrevive em muitas gravações e, atualmente, nesta época de obsolescência programada e de caprichos passageiros, de celebridades instantâneas e de gostos duvidosos, o que Caruso conquistou dificilmente se repetirá.
Como não tinha recursos para enviá-lo à escola, a mãe lhe ensinou os rudimentos da Linguagem e da Aritmética e com essa escassa formação ingressou aos dez anos como aprendiz de mecânico junto ao pai, onde ganhou o suficiente para ajudar no sustento da família e para pagar aulas de canto na Escola Coral de Nápoles, surpreendendo colegas e professores pela tessitura e a qualidade da voz.
Sua adolescência foi marcada pela morte da mãe, quando Caruso contava com quinze anos e, pouco depois, pelo novo casamento do pai, desaprovado por ele, começando a afastar-se da família.
Quando completou dezoito anos, depois de haver dedicado grande parte da vida ao trabalho, decidiu explorar seus dons naturais e passou a receber lições de vocalização dos mestres Guglielmo Vergine e Vicenzo Lombardi. Em 1894, aos vinte e um anos, subiu ao palco pela primeira vez como intérprete profissional, para representar um pequeno papel na obra L’amico Francesco.
Lançado já ao bel canto, em fevereiro de 1895 interpretou personagens de La Traviata e Rigoletto na Catedral de Caserta e, um mês mais tarde, fez sua estreia oficial como tenor no Teatro de Nápoles em uma nova representação de L’amico Francesco, de Morelli. Convertido, a partir de então, em uma das grandes revelações do gênero lírico do final do século XIX, começou a atuar em diferentes cenários do âmbito mediterrâneo.
Em 1897, durante uma representação da Bohème, em Livorno, conheceu Ada Giachetti, também cantora, a quem diz-se que Caruso deve uma melhoria significativa em sua técnica vocal. Ada, que já era casada na época, viveu com Caruso uma turbulenta relação de infidelidades mútuas, de altos e baixos, que perdurou por onze anos e da qual nasceram dois filhos.
Em 1898 Caruso obteve seu primeiro êxito de ressonância mundial, apresentando-se no Scala de Milão, em uma magistral interpretação do papel de Loris, de Fedora, a imortal ópera de Umberto Giordano.
Este trabalho o lançou definitivamente ao estrelato, de tal forma que, no início do século XX, já havia sido contratado nas capitais mais importantes do circuito operístico mundial.
Sua fama cresceu enormemente e a RCA Victor, nova grande casa discográfica, propôs-lhe um contrato com exclusividade em 1904, que originou mais de duzentos e sessenta discos e milhões de cópias vendidas na América e na Europa, convertendo-o em um rico tenor napolitano.
Quase todas as gravações são de árias operísticas, ainda que também tenha incluído em seus discos canções de outros gêneros, como o popular tema Over there, que alcançou o primeiro lugar entre os discos mais vendidos nos Estados Unidos em 1918.
Abandonado por Ada em 1908, dez anos mais tarde casou-se com a americana Dorothy Benjamin, com quem teve uma filha.
Em 1918, no ápice da popularidade, protagonizou dos filmes em Hollywood – My cousin e The splendid romance -, que não obtiveram êxito, especialmente pelo fato de ser inútil rodar um filme mudo com o maior tenor da história.
O grande mérito de Caruso foi a conquista do público, tanto o erudito e elegante amante da ópera e os críticos musicais como o público em geral, chegando a ser considerado “a voz do povo”, a voz do imigrante italiano, “o orgulho da América de Al Capone”.
Tornou conhecida e admirada a canção napolitana, com temas como O sole mio e Core n’grato e muitas das canções que interpretou foram escritas especialmente para ele, convertendo-se em verdadeiros hinos em todo o mundo.
Sua voz possuía um timbre doce, pleno de colorido, incrivelmente expressivo. Sua técnica sul fiato, de que carecem muitos dos tenores atuais, e seu tom quase de barítono, lhe permitiram passar do gênero lírico-ligeiro ao dramático e, sobretudo, ao verista, no qual ainda hoje não foi igualado.