Foi um dos líderes do movimento de reforma literária iniciado na Semana de Arte Moderna, em 1922, tendo participado ativamente nos grupos “Verde-Amarelo” e “Anta”, junto a Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Raul Bopp, e outros.
Seu primeiro livro de poemas, de 1915, Dentro da Noite, revela o modernista ortodoxo, o que efetivamente foi até 1947, quando publicou Um dia depois de outro, obra considerada pela maioria da crítica como o marco divisório de sua carreira literária.
Poeta de caráter lírico sentimental, rendeu honra, em seu primeiro livro, ao Parnasianismo, assim como na obra A flauta de Pan, de 1917.
Após, vieram obras de um nacionalismo romântico, como Vamos Caçar Papagaios, de 1925, Borrões de Verde e Amarelo, de 1926, Martim Cererê, de 1928 e Deixa estar, jacaré, de 1931.
Em O Sangue das Horas e Um dia depois de outro, apresentou uma renovação formal que surpreendeu a crítica e, segundo Manuel Bandeira, converteu-se em um “caso único” dentro da poesia brasileira.
Suas obras seguintes, após 1947, A face perdida, Poemas Murais, 25 Sonetos, João Torto e a Fábula, o Arranha céu de Vidro, foram coroados, em 1957, com a publicação de suas Poesias Completas e Jeremias Sem-Chorar, que correspondem à sua última etapa, de vanguarda na poesia brasileira.
Contudo, se sua obra poética é considerada como uma das mais importantes da literatura brasileira contemporânea (Drummond, sobre Poemas Murais, disse ser uma obra “escandalosa de tanto penetrar na raiz das coisas”), sua produção em prosa não é menos rica.
Historiador e ensaísta, publicou em 1940 um livro de grande repercussão – Marcha para o Oeste -, que mereceu do crítico americano Alvin Martin a análise de que “todos os estudos sobre o tema estão definitivamente comprometidos após este”.
A sua contribuição em prosa não se limitou, porém, a essa obra. Iniciada em 1939, com A Academia e a Poesia Moderna, prossegue, em 1953, com A Poesia na Técnica do Romance, com dois volumes que integram O Tratado de Petrópolis, um erudito de substancial ensaio de sociologia histórica sobre a questão do Acre e o papel do Barão do Rio Branco este episódio.
Após, publicou Pequeno Ensaio de Bandeirologia, em 1956, O Homem Cordial, de 1959, 22 e a Poesia de Hoje, de 1962, Poesia Práxis e 22, de 1966, ano em que também surgiram O Indianismo de Gonçalves Dias e Algumas Reflexões sobre Poética de Vanguarda.
Desempenhou, também, várias e destacadas funções públicas, dentre as quais a de membro do Conselho de Comércio Exterior do Brasil (1942), Chefe da Delegação Comercial do Brasil em Paris (1953), Diretor Geral da Secretaria de Estado de Negócios do Governo de São Paulo (1954-1955) e Secretário dos governadores de São Paulo Pedro de Toledo e Armando de Salles Oliveira (1932-1935).
Ingressou na Academia Brasileira de Letras em 1937.
Não foi, contudo, volúvel e tampouco oportunista. Sua insaciável sede pelo novo, sua enorme necessidade de mudança não são características de um artista inconstante, mas sim de um caráter forte, de um amor paradigmático à mudança, uma compreensão singular do tempo e suas possibilidades.
Por toda a vida, Cassiano Ricardo experimentou, foi solenemente parnasiano no início do século XX, nacionalista fervoroso nas décadas de vinte e de trinta, metafísico, defensor das bandeiras do coloquialismo, do expressionismo, da poesia concreta.
Era capaz de transcender a si mesmo, não seguindo sequer suas próprias crenças e vivendo em permanente estado de versatilidade, em uma busca constante que o levou, à beira dos oitenta anos, quando faleceu, a ser um dos expoentes mais prodigiosos da vanguarda literária do país.
Santiago Kovadloff, ao conhecê-lo, em 1971, e transmitir-lhe o desejo de fazer algumas perguntas sobre sua obra, ouviu de Cassiano Ricardo em resposta: “Faça-as, mas seja breve, porque eu tenho muitas coisas a lhe perguntar”.
Sobre a vida e a existência, talvez com a mesma assiduidade que Drummond, mas com menos ternura e com um horror mais evidente, Cassiano Ricardo fala do homem desiludido, que chama de sobrevivente, por concebê-lo como o saldo de si mesmo. Nele, vislumbra o resíduo de outro homem e de outra época, nos quais o diálogo e a alegria ainda não haviam sido envenenados.
Nosso mundo, após Berlim e Hiroshima é, para ele, o território desse homem:
Um muro divide o globo terrestre.
Os que atravessam ainda com
vida
de um lado a outro
por corredor de arame farpado
não vivem
sobrevivem.
Aqueles que saem à rua
no xadrez da grande cidade
não sabem (os inocentes)
se voltarão
para suas casas vivos, ou sobre
vivos:
voltam sobreviventes.
(Os Sobreviventes, 1971)
Até o ano de 1947, Cassiano Ricardo renuncia às formas festivas do nacionalismo, liberta-se da retórica tropicalista, inconsistente e ruidosa, e lança um olhar inusitado para o homem de seu tempo. Lentamente, percebe-o em sua profundidade, percebe a índole de seus segredos, sua dor e seu medo.
Entre 1945 e 1960 especialmente, sua poesia incorpora muitos dos recursos expressivos da linguagem coloquial. Sua palavra quer ser, sobretudo, plausível, verossímil, capaz de refletir, sem alarde, a experiência cidadã. O verso direto, tenso e seco, beneficiou sua escrita, consolidando-a entre as que melhor sabem explorar e instrumentalizar a língua portuguesa no século XX.
As indagações posteriores, tanto semânticas como sintáticas, que levaram o poeta, através do concretismo, para a estética do linosigno (estrofes nas quais ritmo e silencio se articulam e em que o silencio dá pausa especial à leitura, liberando o verso de uma métrica imposta), procuraram estabelecer uma nova relação com a linguagem coloquial. O mais importante é explorar, nos signos verbais, a lógica da linguagem, a desarticulação da identidade urbana, o caos semântico em que a cultura desses tempos mergulha.
O pós-concretismo consistiu, na obra de Cassiano Ricardo, na tentativa de construir uma poesia capaz de incorporar, no espaço textual, a alusão e o aludido, ou seja, o conceito e a forma o objeto conceituado.
Nesse sentido, conseguiu ultrapassar as fronteiras que serviam como referência à palavra e incorporar ao poema a dimensão plástica, figurativa de seu objeto.
Na primeira dessas etapas, segundo José Guilherme Merquior, “Cassiano se humanizou, ou melhor: mergulhou no humano, cavou no ‘brasileiro’ até alcançar as camadas sensíveis da conduta universal. Do pitoresco ao psicológico; mas psicologia de um homem-entre-outros-homens; denúncia da dor contemporânea”
Ilustra essa etapa o livro Um dia depois de outro, que assinala as consequências morais da Segunda Guerra Mundial, o vazio que foi devorando os corações dos vencedores, o drama de um mundo que conseguiu salvar-se do nazismo, mas não é capaz de salvar-se de seus próprios impulsos totalitários.
Também os Poemas Murais são definidos por Cassiano Ricardo como “um livro de pós-guerra”. Nele se dilata o espelho verbal que define os aspectos centrais de uma civilização “ainda incapaz de solucionar seus problemas sociais e humanos”.
É a sensibilidade extrema que ressaltam de sua obra, que censura o mundo que se nega a aprender com seus próprios erros, que é incapaz de sobrepor-se ao crime, que apenas alcança a paz para planejar outra guerra. Rebela-se contra ele, mas também fala em seu nome, porque sabe que não há alternativas fora da história. A vida terá sempre – e unicamente – o significado que os atos do homem lhe concedam. Com cada existência destruída, nos diz o poeta, o mundo também sucumbe, pois as coisas – compreendidas como valores – apenas vivem se sustentadas e iluminadas pelo olhar que as percebe e as abriga. A pessoa é, fundamentalmente, doadora de sentidos – o privilegiado que faz do mundo um horizonte de compreensão.
Nessa vertente ontológica da existência humana percebe Cassiano Ricardo uma de suas ideias principais: o homem se distingue, basicamente, como um ser de relação. O encontro é o espaço de sua plenitude. Com cada um que é arrebatado da vida, tudo aquilo que seu alento sustentava é precipitado no nada.
Quem morreu, não foi ele.
Foram as coisas, que deixaram
de ser vistas pelos seus olhos.
Quem morreu, não foi ele.
Foram os objetos que a sua
mão deixou de tocar.
Os seus livros, o seu pequeno
cão, estão defuntos.
Não foi o sangue que lhe parou
de fluir, nas veias:
foi, antes, o vinho quem ficou imóvel,
na garrafa.
(Fragmento de Poema do Amigo Morto)
É esta visão do homem como criador de significados que alimentará a ideia do cotidiano para Cassiano Ricardo, as formas que é capaz de revelar o cotidiano. O empenho com que ilumina, em cada um de seus livros, o encanto dos dias sucessivos, as várias formas do cotidiano, nasce de uma convicção que é fundamental: homem é aquele que cobre e que descobre o mundo constantemente; aquele que pode retirá-lo da atmosfera opressiva do previsível e que não volta a lançar-se a ela nem pela pobreza imaginativa, nem pelo medo, nem pela falta de liberdade.
A monotonia e o ar azul e dilatado do diálogo e do canto: estes são os polos entre os que a vida humana oscila. O cotidiano, como infinita reiteração de uma ordem cíclica e insipida, não é mais que o verniz que afoga em tristeza e vazio o corpo do real, essa zona de inesgotáveis surpresas que pode ser a vida quando olhada com os olhos do assombro ou da lúcida inocência de um artista.
O poeta
com a sua lanterna
mágica está sempre
no começo das coisas.
É como a água, eternamente matutina.
Pouco importa a noite
lhe ponha a pena
do silêncio na asa.
Ele tem a manhã
em tudo quanto faça.
Além disso o amanhã
nunca deixará de ter pássaros.
(A Canção mais recente)