O fotógrafo Sebastião Salgado é considerado o primeiro fotógrafo do Terceiro Mundo, o homem que documentou a pobreza e a precariedade, embora também haja quem o considere um esteta da miséria e o acuse de ideologizar e de lucrar com a miséria que fotografa.
Polêmicas à parte, o documentário O Sal da Terra o coloca na disputa por um Oscar, desta vez como retratado e não como aquele que olha por trás da câmera. O documentário, que percorre seu trabalho, estreou na Espanha, no Festival de San Sebastián e recebeu o Prêmio Especial da seção "Um Certo Olhar" no último Festival de Cannes.
As palavras pronunciadas por ocasião do veredito em Cannes expressam o que o documentário significa:
"Esta obra prima documental sobre o fotógrafo Sebastião Salgado é um convincente testemunho do nosso tempo e uma reflexão sobre a condição humana em torno do planeta, que nos mostra a possibilidade de continuar a ter esperança no gênero humano”.
Seus primeiros trabalhos geraram reações diversas. A marca do que seria a sua fotografia - em preto e branco, com um olhar detalhista - revelou lugares de um planeta faminto, miserável e desprotegido e foi essa forte beleza que impressionou a muitas pessoas, incluindo Wim Wenders, que decidiu retomar o gênero documental para relatar as viagens do fotógrafo, juntamente com Juliano Ribeiro Salgado.
Em 1986, em Outras Américas, expôs e publicou registros de suas viagens a locais e povoados remotos da América Latina, trabalho no qual realiza um estudo de diversas culturas rurais e a resistência cultural indígena no Brasil e no México.
Também de 1986 são as exposições Sahel: L'Homme en Detresse (Sahel: o Homem em Agonia), sobre a seca no Sahel, fruto de quinze meses em que trabalhou com o grupo Médicos Sem Fronteira, no qual retrata a dignidade e a resistência de povos duramente atingidos por condições extremas de vida.
Trabalhadores (A Mão do Homem), realizado entre 1986 e 1992 documenta o ocaso do trabalho manual em grande escala, com imagens capturadas em vinte e seis países. Lançada em 1993, a série de fotografias mostra o trabalho operário no mundo, provocando ao mesmo tempo fortes emoções e muita perplexidade.
Em Terra, de 1997, revela de forma contundente a vida dos trabalhadores sem-terra brasileiros e sua luta pela terra, abordando a controversa e ainda insolúvel questão agrária no país.
Êxodos, de 2000, apresenta mais de trezentas imagens de retirantes, refugiados e migrantes de quarenta e um países, pessoas que foram obrigadas a deixar suas terras, em imagens divididas em cinco sessões: África, Luta pela Terra, Mega Cidades, Refugiados e Retratos.
No mesmo ano, Gênesis apresenta a expedição de oito anos durante os quais redescobre montanhas, desertos, oceanos, animais e povos que vivem distante da modernidade e do desenvolvimento industrial e tecnológico, revelando a natureza e formas de vida em seu estado original.
Seu projeto atual é a descoberta de territórios virgens, trabalho lento que pode envolver anos para que a série de imagens se complete, mas marcado, como todos os outros trabalhos de Sebastião Salgado, pela reflexão social, econômica e cultural que perpassa cada uma de suas fotografias.
A vida e a inspiração de Sebastião Salgado
O Sal da Terra
Com muitas imagens fixas, que exibem até os mínimos detalhes de seu trabalho, o documentário reúne mais de quatro décadas de viagens pelo mundo em algumas das fotografias mais conhecidas de Sebastião Salgado, como as que documentam as condições sub-humanas de trabalho nas minas da Indonésia ou o drama da pesca tradicional na Sicília, da série Trabalhadores, ou ainda a sua visão do drama dos refugiados em Êxodos.
No documentário, Wim Wenders refere-se a Sebastião Salgado como um homem que ama o ser humano: “isso é muito importante para mim; afinal, os homens são o sal da terra”.
A biografia documental de Sebastião Salgado consiste, sobretudo, em descobrir um elo dramático entre sua vida e sua obra, buscar em suas imagens e em arquivos pessoais a forma como a história de seu tempo incidiu sobre sua visão do mundo, estabelecer a ordem íntima não convencional, o que é proporcionado pela presença de Juliano Ribeiro Salgado na direção e suas impressões sobre o pai.
No mesmo nível de importância em que se situa o sentido narrativo do documentário está a paixão pela imagem e o desenvolvimento de um discurso visual sem barreiras maiores que os limites da estética, da sobriedade e do sentido poético.
O Sal da Terra é, de certa forma, um documentário que expande esses limites, retratando a mais profunda intimidade de Sebastião Salgado, as razões pelas quais decidiu viver em Paris, suas impressões da vida como imigrante ou suas sensações como espectador da vida daqueles que fotografou e as marcas deixadas por suas histórias.
É também um registro marcante da sensação de desamparo causada pelos conflitos políticos e econômicos vistos por Sebastião Salgado em cada um dos lugares por onde passou e da forma como o fotógrafo os retirou da invisibilidade.
Proporciona, ainda, uma visão privilegiada sobre o êxodo de milhões de pessoas de horizonte em horizonte, a consciência de que todos eles passaram pelos olhos de Sebastião Salgado, a lembrança de guerras cujas atrocidades, durante as várias décadas percorridas por seu trabalho, se misturam à denúncia da dor, da injustiça, da fome, da violência, da crueldade e da desesperança.
“O homem é um animal feroz. Nós humanos somos animais terríveis. Nossa história é a história da guerra e é uma história sem fim...” confessa, em preto e branco, em um dos planos fechados que o retratam.