Desta canção foi retirado o título do documentário de Tom DiCillo, que estreou em dezembro de 2010, no Festival de Sundance e que narra a vertiginosa ascensão e a queda da banda e, fundamentalmente, de seu líder, Jim Morrison, sem esquecer de Ray Manzarek (tecladista), Robby Krieger (guitarrista) e John Densmore (baterista).
O documentário é uma aproximação sincera à banda, fugindo dos estereótipos que foram criados em relação a Jim Morrison - especialmente por Oliver Stone, no filme The Doors, de 1991 – e que representa um tributo justo e franco à única banda que foi capaz de “fazer sombra” aos seus contemporâneos The Beatles e Rolling Stones, que se transformaram em lendas e que obtiveram o reconhecimento que foi negado ao The Doors.
Com a narração de Johnny Depp, o documentário apresenta material da banda que nasceu na contracultura dos anos sessenta, com canções inquietantes, psicodélicas e hipnotizantes e letras carregadas de símbolos, inclementes e plenas de poesia.
A qualidade das imagens é tal que leva a crer que Jim Morrison é interpretado por algum ator extremamente parecido a ele fisicamente, embora se trate, na maior parte, de material inédito gravado entre 1966 e 1971, em 35mm, pelo próprio Jim Morrison. As imagens fazem parte do filme experimental HWY: An American Pastoral, que produziu e protagonizou em 1969, quando estudava cinema na Universidade da Califórnia.
Nenhuma das entrevistas ou imagens é atual, ou seja, é a própria banda que conta sua história. É um documentário definitivo sobre o The Doors.
O Rei Lagarto
A partir de então, Johnny Depp incorpora-se à narrativa, improvisando o roteiro em vários trechos para apresentar um Jim Morrison repleto de poesia, devoto de Baudelaire, Rimbaud e William Blake, estudante de cinema na UCLA, onde conheceu Ray Manzarek.
Retratando a “camaleônica” transformação de Jim Morrison no Rei Lagarto, DiCillo apresenta um Morrison que, a princípio, por receio ao público, postava-se de costas (como ocorreu no clube Whisky a Go Go, na Califórnia) e aos poucos se transforma no provocador Rei Lagarto dos concertos para multidões nos quais a presença dos policiais no palco era constante e as prisões do cantor eram frequentes.
O Rei Lagarto, segundo Ray Manzarek, “é como um antigo xamã que leva seus seguidores a mundos nos quais nunca se atreveriam a entrar sozinhos”, diz Johnny Depp na narração.
O documentário repassa cronologicamente a história do The Doors e reconstrói momentos fundamentais da sua carreira através da irreverência de Morrison, como a atuação de agosto de 1966, na qual recita: “Father? Yes son? I want to kill you. Mother? I want to fuck you", enquanto canta The End.
Inclui, também, a atuação no show de Ed Sullivan, em 1967, no qual foi exigido pelos censores da CBS que Jim Morrison suprimisse a primeira parte da música Light my fire ("Girl, we couldn't get much higher"), por sua clara alusão ao uso de drogas. Essa exigência fez com que Morrison pronunciasse a palavra higher em tom muito mais alto e claro.
A este espírito provocador se somaram questões como o uso de drogas e álcool por parte de Jim Morrison, que foram minando a banda. Em 1969, no Dinner Key Auditorium, em Miami, iniciou um monólogo com o público no qual os incitava a divertir-se, a mudar o mundo e a fazer tudo o que quisessem. Foi acusado, apesar de não haver provas, de haver simulado masturbar-se no palco, preso e condenado por blasfêmia e exibicionismo a quatro meses de trabalhos fechados (pena que nunca chegou a cumprir). Em razão desse incidente, a banda foi proibida de atuar em diversas partes dos Estados Unidos.
Os problemas com as drogas e o álcool e suas consequências são apresentados no documentário sem o estereótipo do biopic de Oliver Stone, que apresentou Jim Morrison simplesmente como um bêbado ridículo e autodestrutivo.
O Jim Morrison de Tom DiCillo
Diferentemente de outros documentários a respeito de Jim Morrison (e do filme de Oliver Stone), People are strange não especula sobre a morte do cantor, que pouco antes de morrer retirou-se para Paris, com Pamela Courson, para se concentrar em sua verdadeira vocação: a poesia.
Na noite de 3 de julho de 1971 Pamela Courson o encontrou morto na banheira, alguns meses depois das mortes de Jimi Hendrix (18 de setembro de 1970) e de Janis Joplin (4 de outubro de 1970). Jim Morrison havia dito que seria o terceiro.
O final do documentário é claro e explícito sobre a intenção de DiCillo: a banda jamais se vendeu. Durante a vida de Jim Morrison, não aceitaram a venda dos direitos de Light my fire para um anúncio de automóveis e até os dias atuais nenhuma de suas canções foi utilizada em um anúncio de venda de automóveis.
“When you’re strange, no one remembers your name”… este talvez tenha sido o único engano de Jim Morrison, pois precisamente por ser quem foi, estranho e único, tornou-se inesquecível.