há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí,
quer acabar comigo?
(…) há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
como nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você?
Cultuado e execrado, trabalhou com a experiência, a emoção e a imaginação, com uma linguagem direta, ácida, imagens violentas e sexuais, talvez ofensivas para uns, mas inegavelmente inconformadas, a partir de uma perspectiva de marginalizado em uma sociedade corroída. É um fenômeno, que estabeleceu um escritor coerente e insistente, o resultado de uma vida intensa e dura, marcada pelo uso rotineiro do sexo, do álcool e da violência.
Nascido na Alemanha, em 16 de agosto de 1920, aos dois anos foi levado aos Estados Unidos. Filho único, viveu uma infância e uma adolescência com um pai arbitrário, ressentido e violento e com uma mãe servil e calada.
Na adolescência, desenvolveu uma acne extrema e agravaram-se as constantes agressões do pai. Vivendo em um bairro de classe média baixa, na época da depressão econômica, não tinha trabalho. O pai também estava desempregado e a mãe compensava com empregos ocasionais. No ambiente violento e hostil de casa e no bairro, Bukowski adquiriu uma predisposição à solidão e, pelo grave problema de pele, foi condenado ao ostracismo.
O batismo no álcool veio ao final da adolescência, junto à literatura, motores principais de toda a sua vida e os dois únicos alívios existenciais que encontrou: com o álcool, sentiu que a vida era maravilhosa, um homem era perfeito, intocável e, lendo, se tornava possível viver sem dor, ter esperanças, esquecer de tudo.
Em 1939 passou a frequentar o Los Angeles City College, permanecendo apenas dois anos. Ali começou a escrever e a beber efetivamente e, no início da Segunda Guerra Mundial, mudou-se para Nova Iorque, sendo preso em 1944 pela deserção. O exame psicológico do exército considerou-o inapto para o front, sendo perdoado.
Passou os anos seguintes escrevendo, viajando e colecionando inúmeras críticas negativas. Por volta de 1946 desistiu de escrever e passou os dez anos seguintes viajando e bebendo por todo o país.
De volta a Los Angeles, aos trinta e cinco anos, recomeçou a escrever, sempre cultivando sua reputação de poeta “difícil”, publicando em jornais clandestinos, revistas pequenas e efêmeras, o que lhe valeu uma popularidade baseada no “boca a boca”.
O personagem principal de seus poemas e contos, em parte autobiográficos, quase sempre é Henry Chinaski, escritor que divide seu tempo entre trabalhar em empregos marginais e ser demitido, embriagar-se e dedicar-se ao sexo, com a mesma intensidade, sempre associado com outros perdedores, vagabundos e alcoólatras.
Escreveu mais de quarenta livros de poesia, contos e romances. Flower, Fist, and Bestial Wail, de 1959, foi seu primeiro livro de poesia, demarcando os principais temas e interesses da maioria das obras posteriores, especialmente no sentido da desolação e na perspectiva de um mundo abandonado, dos absurdos da vida e da morte. Esse mundo, marcado pelos instrumentos impessoais e despersonalizados da sociedade industrial civilizada, pelo conhecimento e a experiência do século XX, continua a ser essencialmente um mundo em que a reflexão quase não existe. Sua matéria é o álcool, o sexo, o jogo e a música, elementos que Bukowski evoca com sua voz dura, sua crítica mordaz, ao mesmo tempo dramática e sarcástica.
It Catches My Heart in Its Hands: New and Selected Poems (1955-1963) reúne as poesias escritas entre 1955 e 1963. São poemas que se fundem para ganhar um corpo de trabalho diferenciado dos escritores contemporâneos a Bukowski.
Ao longo de trinta anos publicou um extraordinário volume de poesia e prosa. Ainda que tenha falecido em 1994, aos setenta e três anos, sua carreira póstuma revelou essa produção massiva através de diversas publicações. Obras póstumas vêm sendo publicadas com uma periodicidade de ao menos um livro a cada dois anos.
Em diversas entrevistas, Bukowski descreveu seus leitores como “os vencidos, os loucos e os condenados”, clandestinamente sensíveis. O que importa, contudo, é reconhecer que através da agressividade e da vulgaridade de alguns de seus artefatos verbais, desenha com linhas curtas, com velocidade e concisão, a violência e os absurdos da vida. Em sua poesia, em seus contos, desafia a pretensa superioridade de alguns, de forma tensa, viva, intensa e por vezes comovedora.
Escreveu também, em 1987, o roteiro para o filme Barfly, centrado em três dias de sua vida, aos vinte e quatro anos. O filme vai além da narrativa: abre o território, o ser humano e converteu-se na base do romance Hollywood, de 1989, o qual descreve o caminho enviesado e humorístico do roteiro ao filme, narrado por um Henry Chinaski no final da vida.
A obra de Bukowski foi revisitada em diversas antologias de contos e poesias, que proporcionam uma visão sólida do escritor, uma visão ampla de histórias e poemas que, sem qualquer esforço, são magnéticos, existencialistas, sinceros.
Acima de tudo, revelam um homem dedicado à literatura, complexamente humano, uma figura que venceu obstáculos de proibições para alcançar seu destino como escritor de primeira ordem, intransigente e verdadeiro.
Falar de Bukowski, por tudo isso, é falar do outro lado da vida e do sonho americano, sobre como é a vida entre sórdidos antros enfumaçados e trabalhos pouco qualificados, de ressacas monumentais e de prostitutas – mas é, essencialmente, falar da própria vida.
Bukowski não foi um intelectual, um escritor que buscasse a fama e o reconhecimento. Sua única satisfação era escrever, como válvula de escape, como catarse, para dialogar consigo mesmo, para compreender-se.
Leitura essencial, Bukowski guia seu leitor por um mundo mágico e fantástico, autêntico. Deixando-se levar pela vida em toda a sua intensidade e até as últimas consequências, lutando por uma causa perdida que, no fundo, não é mais do que ele próprio, é capaz de ver o mundo como outros olhos, com olhos humanos, sarcásticos, profundos e verdadeiros.
Ao Sul de Lugar nenhum. Porto Alegre: L&PM, 2008.
O amor é um cão dos diabos. Porto Alegre: L&PM, 2007.
à toa em San Pedro. Florianópolis: Spectro, 2007
Vida desalmada. Florianópolis: Spectro, 2006
Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém. Curitiba: 7 Letras, 2005.
Tempo de voo para lugar algum. Florianópolis: Spectro, 2004.
Hino da Tormenta. Florianópolis: Spectro, 2003.
Os 25 melhores poemas de Charles Bukowski. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.
O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio. Porto Alegre: L&PM, 1999.
A mulher mais linda da cidade. Porto Alegre: L&PM, 1997. (coletânea)
Pulp. Porto Alegre: L&PM, 1995.
Numa Fria. Porto Alegre: L&PM, 1993.
N.York, 95 cents ao dia. Porto Alegre: L&PM, 1991 (quadrinhos)
Delírios Cotidianos. Porto Alegre: L&PM, 1991 (quadrinhos)
Hollywood. Porto Alegre: L&PM, 1990.
Fabulário Geral do Delírio Cotidiano. Porto Alegre: L&PM, 1986.
Factotum. São Paulo: Brasiliense, 1985. Porto Alegre: L&PM, 2007.
Notas de um velho safado. Porto Alegre: L&PM, 1985.
Misto quente. São Paulo: Brasiliense, 1984. Porto Alegre: L&PM, 2006.
Crônica de um amor louco. Porto Alegre: L&PM, 1984.
Mulheres. São Paulo: Brasiliense, 1984. Porto Alegre: L&PM, 2007.
Cartas na Rua. São Paulo: Brasiliense, 1983.