Os Diários, em número de oito, eram para ela seus únicos amigos e considerava que não havia homem ou ser capaz de corresponder ao seu carinho e ao seu amor. Era uma narcisista e, por isso, muito solitária. Sentia que ninguém poderia compreendê-la ou amá-la. Suas relações, que chegaram a todos os extremos – incesto e homossexualismo – foram uma busca de poder em um momento em que isso, para a mulher, era impossível. Por isso, seus diários são fundamentais no desenvolvimento cultural do feminino, além de serem um interessante documento de sua vida e da luta de uma escritora para ser reconhecida e valorizada como ser inteligente e por sua intelectualidade.
É um dos poucos mitos que existem na literatura feminina mundial, admirada e recomendada por um grande segmento de feministas, embora, efetivamente, tenha pouca relação com o feminismo propriamente dito e muito mais com o caráter de um novo tipo de mulher que emergiu nos anos vinte.
É possível encontrar analogias, dentro das correntes intelectuais, entre Anaïs e figuras como Lou Andrea Salome, Isadora Duncan, Frida Kahlo, Isabelle Eberhardt, Jane Bowles, Lotte Lenya, Tina Modotti, Mary Wollstonecraft e, inclusive, com Simone de Beavouir, mas praticamente nenhuma com os movimentos políticos feministas.
O que se pode afirmar, seguramente, é que Anaïs, não sendo uma excepcional escritora, nem uma mulher comprometida com os movimentos feministas de sua época, não passou e tampouco jamais passa despercebida para quem tem contato com um exemplar de seus Diários ou de sua obra narrativa.
Nascida em Paris, filha de um compositor e pianista e de uma cantora, estudou em diversas escolas da Europa, longe da família, desde a infância. A separação dos pais levou-a a começar a escrever o Diário que daria início à sua obra literária. Com essa ruptura familiar, mudou-se para Nova Iorque com a mãe e os irmãos, viajando para a Europa para continuar seus estudos e posteriormente para Cuba, para ser apresentada à sociedade e encontrar um marido rico.
Em Havana, foi apresentada a pretendentes de importantes famílias da burguesia, que recusou para casar-se com um empregado de um banco americano cuja família não a aceitava por ser filha de um boêmio que havia abandonado a família. Uma vez casada, mudou-se para a França. Era, nesse tempo, uma jovem romântica e insegura, que usava seu Diário como forma de exteriorizar seus sentimentos e pensamentos, sua mais profunda experiência de vida.
O marido, para ajudá-la em sua carreira como escritora, tentou contatar com pessoas que se interessassem pelo pequeno ensaio que produzira sobre D. H. Lawrence. Essa busca a colocou em contato com outra “jovem promessa” literária que estava escrevendo o primeiro esboço do que seria o famoso Trópico de Câncer e que, como Anaïs, encontrava-se em um período de afirmação de sua vocação como escritor: Henry Miller, com quem Anaïs se conectou desde o primeiro momento.
“Este diário é meu cachimbo de haxixe, meu ópio, minha droga e meu vício”. Assim se referia à obra de toda a sua vida, numa relação de amor e ódio com seus Diários, uma relação de conflitos e, paradoxalmente, de expressão de sua feminilidade, da sensualidade e do erotismo feminino. É ainda mais paradoxal porque, a pedido da própria Anaïs, os primeiros diários foram publicados com censura, ou seja, despojados das passagens mais eróticas, em 1966.
Nos primeiros Diários publicados, datados de 1931 a 1934, portanto, apenas se insinua o mito erótico de Anaïs Nin, que foi levado ao cinema em 1990 por Phillip Kaufman em Henry e June.
Os verdadeiros Diários de Anaïs, os amorosos, os não censurados, foram publicados muito mais tarde: Henry, sua mulher e eu, Incesto, Fogo, por exemplo, viriam a comprovar o que os outros diários deixaram em suspenso: que Anaïs foi, além de uma grande escritora, uma explosão de amor, um fogo inextinguível, uma mulher à frente de seu tempo.
Foi também através de Delta de Vênus, a coletânea de contos eróticos que havia escrito a pedido de um leitor anônimo nos anos quarenta, publicado um ano após a sua morte, que pela primeira vez foi revelada a força da sensualidade e do erotismo em suas letras.
O que se pode, enfim, dizer sobre Anaïs Nin, é que representa um símbolo da feminilidade, mais do que do feminismo. Representa uma mulher arrebatada, inclusive em relação ao feminismo, porque, por um lado, diante de Henry Miller, tanto podia ceder quanto reagir. É uma mulher que foi testemunha da cultura de seu tempo e que soube registrar tudo o que viu, fez e viveu, com uma energia e uma coragem surpreendentes.
Exemplo desse compromisso para com a sensualidade feminina é expresso no ensaio Eroticism in Women, publicado em 1974 pela revista Playgirl, no qual expõe os problemas que o feminismo enfrentava na época:
A partir da minha experiência, diria que as mulheres ainda não separaram o amor da sensualidade, como os homens fizeram. Ambos estão combinados na mulher: ela precisa amar o homem a quem se entrega ou ser amada por ele. Depois do ato sexual, parece que precisa estar segura de que é amor e de que o ato sexual, a posse, é parte de uma troca que é ditada pelo amor. Os homens se queixam constantemente que as mulheres querem uma confirmação ou uma expressão de amor. A cultura japonesa reconhece essa necessidade e, nos tempos antigos, era uma regra estrita que, depois da cópula, o homem deveria escrever um poema e dedicá-lo a sua amada antes que ela despertasse. O que é isso, senão a conexão entre o ato sexual e o amor? Em minha opinião, as mulheres ainda se preocupam com uma partida prematura ou uma falta de reconhecimento do ritual que ocorreu, ainda precisam de palavras, precisam de uma ligação, de uma carta, de gestos que tornem o ato sexual algo particular, algo que não é anônimo e puramente sexual. Esse fenômeno poderia ou não desaparecer nas mulheres modernas que decidiram colocar um ponto final no que suas predecessoras esperavam; talvez, consigam separar o amor do sexo, o que, em minha opinião, diminui o prazer e reduz a qualidade do sexo, porque este é melhorado, elevado e intensificado pelas emoções.