De formação católica e tendência agnóstica, foi tachado de revolucionário e de "criptomarxista", tendo declarado que seus filmes “giram em torno do amor ao próximo. Mostram um mundo sem amor – pessoas que exploram os outros - em que um ser insignificante quer dar amor e vive de amor”. Seu idealismo nunca excluiu a crítica social e, com o tempo, se tornou mais cético e grandiloquente.
Entre sua vida e sua obra há muitos pontos que se tocam. Afirmou que cada filme constituía sua vida presente, preocupado com o envelhecimento e com a morte e, nesse sentido, foi uma obra profundamente autobiográfica, uma necessidade vital de expressar seu universo interior.
Apesar da tentativa de alguns críticos em marginalizarem seu trabalho devido, supostamente, aos seus níveis deficientes de ideias “politicamente corretas” sobre as mulheres ou sobre a vida em geral, Fellini continua a ser cultuado e admirado por milhares de pessoas.
Fellini era um espetáculo à parte, não apenas um gênio artístico, mas um mago magistral ou um "grande embusteiro". Acreditava no poder das ilusões e da prestidigitação, preferindo o artifício à realidade e era um homem que sabia que os sonhos são a expressão mais próxima possível do retrato de um ser humano.
Em uma reveladora entrevista com Gavin Millar, criador do documentário Real Dreams: Into the Dark with Federico Fellini, de 1993, o diretor conta que os taxistas de Roma costumavam perguntar a Fellini, um tanto envergonhados, por que insistia em fazer filmes em que “não se entende nada”.
Longe de sentir-se insultado, Fellini considerava que essa era uma pergunta honesta, embora ingênua, pois revelava algo importante sobre a intenção de seu trabalho, afirmando:
"É compreensível que, quando alguém é tão sincero, seja mal compreendido. As mentiras é que são claras. Todo mundo entende uma mentira, mas a verdade ou a sinceridade, sem proteções ideológicas (as mentiras do outro) são muito difíceis de conceber. Quando um homem fala sinceramente sobre si mesmo, acredito que realmente se apresenta em sua qualidade mais complexa, contraditória e, portanto, mais ambígua".
As imagens que narram as histórias do diretor derivam, em última análise, de sua vida onírica, querem comunicar emoções ou sentimentos, mais do que posturas ideológicas. Fellini acreditava que um ser humano pode comunicar a outro alguma coisa importante sem interferências ideológicas.
Há imagens em sua obra que não podem ser reproduzidas por nenhum outro artista e que são claramente produtos de uma sensibilidade única, de um estilo inconfundível e inimitável.
Algumas delas são: a lágrima de Zampanò na praia no final de La Strada; o momento mágico em que Marcello Mastroianni e Anita Ekberg entram na Fontana di Trevi em La dolce vita; o misterioso e festivo círculo de criatividade artística que culmina em 8 ½, quando o diretor Guido Anselmi decide que seu filme deve terminar porque não tem mais nada a dizer; a inesquecível aparição do transatlântico de papelão Rex, em Amarcord; Casanova dançando uma valsa com uma boneca de madeira (a única mulher com quem teve uma relação sexual bem sucedida) sobre um lago veneziano congelado...
Nenhum outro diretor italiano - e talvez nenhum outro diretor na história do cinema confiou tanto em seus recursos próprios para comunicar-se com seus espectadores através de imagens universais, que despertam, sensações no sentido junguiano - arquetípico.
Além de um narrador, Fellini é um poeta. Cria imagens mediante um exame de sua vida onírica e quando sua expressão pessoal consegue se converter em uma experiência visual para o público, esse vínculo, a recepção de uma forma pessoal de comunicação poética, cria uma experiência visual tão poderosa quanto inesquecível.
Se as tentativas de Fellini em se aprofundar na imaginação humana podem explicar o seu impacto sobre os espectadores, sua obsessão pelo irracional é também o aspecto de sua fantasia que assusta a maioria dos críticos, cuja tarefa é normalmente explicar, ao invés de argumentar (como Fellini muitas vezes afirmou, as explicações racionais são estéreis).
Este é o dilema que os críticos Fellini devem enfrentar diretamente: como aplicar o discurso racional e a crítica a um cinema que, fundamentalmente, privilegiou a fantasia, a imaginação, e o irracional.
Apesar dos excessos e dos toques anticlericais em filmes como Roma e La città delle donne, sua obra possui também certo caráter moralizante e intelectual em torno da condição humana e seu futuro caótico (Satyricon).
Sua estética singular baseia-se mais na intuição poética do que em uma técnica cinematográfica e por isso sua produção foi mais viva do que racional, como se comprova em Fellini 8 ½ e Amarcord, com forte tendência ao surrealismo.
Também foi fortemente influenciado pela concepção do espetáculo circense, que evocou perfeitamente em Il clowns, confessando que seu cinema devia muito ao mundo do circo e que os palhaços foram, para ele, embaixadores de sua vocação de homem do espetáculo.
Sua metáfora contém um estilo barroco, perceptível em Giulietta degli spiriti e Il Casanova di Federico Fellini. Esse estilo, por vezes, explode na orgia intimista ou nas grandes cenas de multidões: as festas, os desfiles, o circo, as procissões e os bacanais.
Nesse aspecto se mostra com toda a força a genialidade criadora de Fellini como senhor da montagem e da concepção global das sequências; não como narrador no sentido tradicional, mas com um carrossel de imagens que exteriorizam seu interior.
Provavelmente, seu ponto de partida foi mais próximo da vida cotidiana, com sua multiplicidade caótica e indefinível, do que da sua idealização ou da imagem pura. Por isso, desenvolveu um lirismo muito pessoal que não poupou, muitas vezes, certa assimetria, como em I la nave va e La voce della luna.
Cinema:
1950 - Luci del varietà - Mulheres e Luzes
1952 - Lo sceicco bianco - Abismo de um sonho/O Sheik Branco
1953 - Il vitelloni - Os Inúteis
1953 - L'amore in città - Amores na Cidade/Retalhos da vida
1954 - La strada - A estrada da vida/A estrada
1955 - Il bidone - A trapaça
1957 - Le notti di Cabiria - As noites de Cabíria
1960 - La dolce vita - A doce Vida
1962 - Boccaccio '70
1963 - 8½ - Fellini 8 ½
1965 - Giulietta degli spiriti - Giulietta dos espíritos
1968 - Tre passi nel delírio - Histórias Extraordinárias
1969 - Satyricon
Televisão:
1969 - Block-notes di un regista - Anotações de um Diretor
1971 - Il clowns - Os Palhaços
1972 - Roma - Roma de Fellini
1973 - Amarcord
1976 - Il Casanova di Federico Fellini - Casanova de Fellini
1978 - Prova d'orchestra - Ensaio de Orquestra
1980 - La città delle donne - A Cidade das Mulheres
1983 - I la nave va
1986 - Ginger e Fred
1987 - Intervista - Entrevista
1990 - La voce della luna - A Voz da Lua