Enquanto outros cantores faziam rimas, cantou em versos livres; enquanto outros guitarristas alternavam-se buscando mudanças, tocou canções inteiras em um ou dois acordes; onde outros veteranos do blues tiveram carreiras meteóricas, saltou repetidas vezes da obscuridade ao centro das atenções.
Para a maioria dos músicos da geração de John Lee Hooker, gravar um álbum com o título Mr. Lucky seria irônico, mas ele desfrutou de mais sorte do que a maioria dos bluesmen experimentou durante a vida, o que permitiu, inclusive na velhice, que contasse com uma legião de admiradores, seduzidos pelo efeito hipnótico de sua música – um mantra incansavelmente repetido, acompanhado da guitarra e dos pés, absorvendo e diluindo os ouvintes, como um enorme coração batendo.
Essas qualidades foram evidentes desde seu primeiro disco, Boogie Chillen, de 1948, uma síntese aparentemente improvisada da narrativa oral, cujos versos eram acompanhados por bruscas mudanças de velocidade na guitarra.
Essa obstinação estrutural não era incomum entre os músicos dos anos vinte e trinta, mas John Lee Hooker foi excepcional: o último dos bluesmen livres de uma estrutura formal do blues, o que lhe garantiu a primazia entre os músicos sênior de blues, até as décadas de oitenta e noventa.
Em 1943 mudou-se para Detroit, trabalhando durante o dia como zelador na Dodge Motors e, à noite, tocando nos clubes negros da rua Hastings. Nunca falou muito sobre sua vida e sempre preservou uma boa dose de incertezas sobre sua história, seja em Clarksdale, Mississipi, onde nasceu em uma família de onze filhos, ou em Memphis e Cincinnati, onde passou parte da adolescência.
Em Clarksdale, seu padrasto lhe ensinou a tocar guitarra, inclusive o efeito ressonante do Sol Aberto (Open-G), que utilizou em uma de suas canções favoritas, When My First Wife Quit Me.
Os outros músicos suavizaram os contornos mais exuberantes de seu ritmo e um pouco da agitação febril de sua música perdeu-se, mas o sucesso de Dimples, em 1956, demonstrou que a mudança na configuração do blues de Hooker fora uma astuta jogada comercial.
Orgulhava-se de ter “criado sobre três campos: um campo popular, um campo de blues e um campo de músicas para crianças dançarem". Se necessário, segundo Hooker, "poderia ter tocado também coisas hillbilly", termo utilizado em referência à música country nas décadas de quarenta e cinquenta.
Essa habilidade permitiu a Hooker, no princípio dos anos sessenta, tanto apresentar-se no festival folk de Newport como alcançar enorme sucesso no rhythm 'n' blues, com Boom Boom, o que lhe rendeu, inclusive, uma sucessão de turnês pela Europa, a partir de 1962.
Na década de setenta, converteu-se em um “imã do blues”, atraindo colaboradores, tais como a banda americana Canned Heat e seu admirador de toda a vida, Van Morrison, que se uniu a ele em canções como Never Get Out Of These Blues Alive.
Foi outro admirador, com a metade de sua idade, o guitarrista Roy Rogers que, junto com Mike Kappus, descobriu a fórmula para reativar Hooker, reunindo-o com artistas diferentes dele e distintos entre si, como o jovem músico de blues Robert Cray, a banda Los Lobos e a cantora de blues Bonnie Raitt, que reeditou I'm In The Mood, em dueto com Hooker.
O resultado, The Healer, de 1989, converteu-se no álbum mais vendido na história do blues. Em 1991, Mr Lucky repete o formato, com a participação de Cooder, Morrison e Keith Richards.
Nessa época, tornando-se conhecido como a poucos artistas do blues jamais foi permitido, foi procurado por cineastas para acrescentar um tom “índigo” às suas canções, e por publicitários, para ligar suas composições a marcas de produtos como ICI, Martell Brandy e, especialmente, à ascendente Lee. Ainda, inaugurou um clube de música em São Francisco, o Boom Boom Romm.
Desfrutando de uma vida próspera, escasseou suas apresentações, embora conservasse grande parte de seu antigo fascínio. Apesar de ter sido elogiado, em 1970, como um dos expoentes máximos do boogie beat (um de seus álbuns de maior sucesso foi Endless Boogie), preocupava-se mais em contar histórias sobre sua vida ou a vida de homens comuns, porque considerava que cada pessoa tem dores e sofrimentos que somente o blues pode retratar com profundidade.
Muitos ainda se aproximarão das canções e do talento de Hooker, mas ninguém jamais será capaz de repetir os profundos, misteriosos e inesquecíveis acordes de sua voz.