Em 1920, junto à família, estabeleceu-se em Belo Horizonte, trabalhando no Diário de Minas e envolvendo-se com a cena intelectual da cidade e, através deles, com o movimento modernista. Conheceu Tarsila de Amaral e Mario de Andrade (com quem estabeleceu uma amizade longa e intensa, registrada em cartas escritas a partir de 1924 e em diversos registros nos quais Drummond enfatiza que o poeta é a maior e a mais profunda voz da poesia brasileira).
Na época, seus escritos passaram a ser divulgados também no Rio de Janeiro.
Formou-se em Farmácia no ano de 1925, ano em que se casou com Dolores Morais, com quem teve sua única filha, Maria Julieta. Também foi diretor de A revista, ao lado de Martins de Almeida, Emilio Moura e Gregoriano Canedo.
Três anos mais tarde, depois de ter trabalhado como professor de geografia e de português em Itabira e como redator no Diário de Minas, assumiu um cargo na Secretaria de Educação.
Seu primeiro livro, Alguma Poesia, foi publicado em 1930. Em 1934, ano da publicação de Brejo das Almas, mudou-se para o Rio de Janeiro, como chefe de gabinete do então Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema.
Em 1940 publicou Sentimento do Mundo, em duas edições e, em 1942, Poesias reunidas, seguidos de José e A Rosa do Povo, em 1945.
Com o final da guerra e da ditadura Vargas, passou a trabalhar como vice-diretor do jornal Tribuna Popular, onde permaneceu por pouco tempo, voltando ao Ministério da Educação como diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, até 1962.
Sua produção literária cresceu consideravelmente. Em 1946 havia recebido o prêmio ao conjunto de sua obra, atribuído pela Sociedade Felipe de Oliveira e, em 1948, sua obra poética foi reeditada e reunida em Poesia até agora. Antes de completar cinquenta anos já era considerado pela crítica como um dos mais importantes poetas modernistas.
A obra de Drummond obra passou a ser reconhecida internacionalmente a partir dos anos cinquenta, com traduções ao inglês, espanhol, alemão, sueco, checo e francês, acompanhada de uma considerável difusão por toda a América Latina.
Da década de cinquenta são os livros Claro Enigma (1951); Viola de Bolso (1952); Fazendeiro do Ar (1954) e Poemas (1959).
Aprofundou seu trabalho como jornalista a partir de 1954 e, em 1968, trabalhando no Correio da Manhã, tornou-se popular através das crônicas publicadas no suplemento cultural.
Nos anos sessenta publicou Lição de Coisas (1962), Versiprosa (1967), Boitempo (1968) e Nova Reunião (1969).
Aos setenta anos, em 1973, escreveu As Impurezas do Branco (1973) e Menino Antigo (1973). Amor, Amores (1975) e Discursos de Primavera (1977) precederam Esquecer para Lembrar, de 1979 e os três últimos livros, escritos na década de oitenta: A Paixão Medida (1980); Corpo (1984) e Amar se Aprende Amando (1985).
Faleceu em 17 de agosto de 1987, após a morte da única filha e antes de completar oitenta e cinco anos.
Para Drummond, a experiência poética era uma epifania, a súbita iluminação do inesperado, um novo sentido para a realidade do homem, algo que se concretiza na alma, a partir da experiência concreta.
A realidade absurda que subjaz à vida, a perda de sentido, alcança uma dimensão poética que vai além de si própria, que traduz o sentimento de que a vida, fora da poesia, se impõe à sensibilidade do poeta, devastando-o, fazendo ruir todas as convicções.
Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua, cachaça.
Para beber, copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres,
folha de taioba, pouco importa: tudo serve.
Para louvar a Deus como para aliviar o peito,
queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
é que faço meu verso. E meu verso me agrada.
Meu verso me agrada sempre...
Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota
mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste.
A culpa é da sombra das bananeiras de meu pais, esta sombra mole, preguiçosa.
Há dias em que ando na rua de olhos baixos
para que ninguém desconfie, ninguém perceba
que passei a noite inteira chorando.
Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,
de repente ouço a voz de uma viola...
saio desanimado.
Ah, ser filho de fazendeiro!
A beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrcgo vagabundo,
é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.
E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.
Aquela casa de nove andares comerciais
é muito interessante.
A casa colonial da fazenda também era...
No elevador penso na roça,
na roça penso no elevador.
Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa.
A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro
e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.
O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
lê o seu jornal, mete a língua no governo,
queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.
Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?
Precisamente por isso (ou apesar disso), Drummond é o homem que se debruça sobre a vida em uma perspectiva de profunda circunspecção, num esforço de compreensão que converte a poesia em uma forma de aproximar-se de si próprio, de converter a realidade em algo que talvez a explique ou que talvez a compense.
Cantiga do amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.
Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito!
O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeiras
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.
Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.
Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.
Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender…
Ao sentimento da desolação se segue o conflito entre a poesia e a racionalidade, manifestando uma empatia do homem/poeta com o mundo.
Da poesia nasce o desejo de afirmação desse diálogo, de realização do encontro do homem com o mundo, de comunhão, de estabelecimento de um pacto com a vida a partir – e apesar – do desencanto, da dor, da monotonia ou da indiferença.
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me veem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
Em Rosa do Povo, por exemplo, o poeta luta com a realidade, em uma perspectiva sociológica, diferentemente de Claro Enigma, cujo tom metafísico reintegra o poeta, completando o ciclo em torno de si mesmo, completando “a travessia do tempo pela poesia”.
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Sua originalidade deriva, precisamente, da magnitude das contradições que o preocupam.
A autobiografia, a poética metafísica, a descrição, os mitos, as viagens, as impressões, os discursos, a cultura, são matérias-primas do sentimento do mundo delineado por Drummond.
Essa poesia, social e metafísica, resgata um sentimento amistoso e exuberante de um homem que fala, dentre todas as coisas, do passado, da terra natal, de retratos e memórias, um homem repleto de solidariedade humana, de uma dor lancinante, mas também da esperança de que cada dia traga outra possibilidade, outro poema, outra resposta...
MERQUIOR, José Guilherme. Verso universo em Drummond. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1975.
SANT'ANNA, Affonso Romano. Drummond: o gauche no tempo. Rio de Janeiro: Lia Editor, 1972.
SUSSEKIND, Maria Flora. Vidrieras Astilladas. Ensayos Criticos sobre Cultura Brasileña. Buenos Aires: Corregidor, 2003.