Suas sucessivas reinvenções o fizeram o pioneiro na transformação do censo comum, mesmo que tenha sido durante décadas eclipsada a sua importância no movimento surrealista por figuras mais autoritárias, como Breton, ou mais atrativas, como Dalí.
Em seus quadros se distinguem sutis pressentimentos, sensações que se situam entre o sonhado e o vivido, entre o racional e o absurdo, entre o poético e o grotesco. A combinação desses polos opostos foi constante em sua trajetória, assim como sua vontade de escandalizar tudo o que fosse respeitável, opondo-se ao academicismo imperante e aos melindres burgueses.
Suas primeiras obras, a partir de 1919, já propunhan uma mistura explosiva de expressionismo, cubismo, caricatura social, o influxo de Kandinsky e a evocação de Chagall. Poucos anos depois, participou em uma exposição em Colônia, junto aos dadaístas Arp e Baargeld, na qual os cronistas da época contam que uma menina vestida com roupas de comunhão recitava poemas obscenos a poucos metros de um aquário cheio de sangue. A sociedade, como era de se esperar, sentiu-se ultrajada.
Na collage encontrou a forma de “equilibrar realidades irreconciliáveis” e durante os anos vinte, após ler o Manifesto Surrealista, decidiu experimentar com formas de composição pictóricas equivalentes à escrita automática apregoada por Breton.
Influenciado por Picasso e Braque, experimentou a técnica com a collage, formato ideal para descrever o mundo do período de entre guerras, estabelecendo combinações impossíveis para retratar a esse mundo às avessas – arbustos selvagens com forma de dutos reprodutores, sereias sem cabeça, de extremidades amorfas – que mais tarde alimentariam seu imaginário pictórico.
Mais do que um criador, quis ser um localizador de imagens e de objetos, formulando novas combinações, a partir de ingredientes conhecidos, como muito mais tarde faria Warhol. Como bom surrealista, acreditava que o artista era apenas um mensageiro, mas nunca o depositário da genialidade mais autêntica. Para demonstrá-lo, inventou um personagem mitológico, Loplop, um deus-pássaro que dizia que lhe proporcionava a inspiração divina.
Outro de seus inventos, a denominada pintura oscilatória – um pincel suspenso que salpicava gotas aleatórias por toda a tela – anteciparia a action painting de Pollock.
Sua vida privada também foi pouco convencional. Amante de Gala Dalí, com quem formou um triângulo amoroso enquanto esta esteve casada com Paul Éluard, viveu com Leonora Carrington no sul da França, abandonando-a posteriormente para viver com Dorothea Tanning no Arizona, onde experimentou técnicas pictóricas das culturas indígenas.
O exílio permitiu a Ernst fugir da guerra, depois de ser incluído na lista de artistas degenerados estabelecida pelos nazistas. Foi também denunciado como espião alemão por um habitante surdo-mudo do povoado francês onde se encontrava refugiado.
Tão surrealista como qualquer divindade ornitológica, nos últimos anos de sua vida sofreu total falta de reconhecimento. Em meados dos anos cinquenta, quando regressou à Europa, seu trabalho foi reexaminado. O que aparentemente era, até então, visto como desatinado, transformara-se em um presságio do que viria depois e a sua suposta incoerência transformara-se em um reflexo da constante reinvenção de si mesmo, digna de qualquer homem pós-moderno.
Max Ernst faleceu em Paris, em 1º de abril de 1976.