Ganhou seu primeiro saxofone no dia em que completou doze anos. A partir de então montou um grupo que tocava em festas e bailes e continuou ampliando suas influências que, partido da tradição do blues texano e do gospel de sua igreja, iam desde o estilo cool de Lester Young ao som feroz de Jonny Griffin. Apreciava Genne Ammons, Dexter Gordon, Lester Young e Sonny Stitt. Ouvia Ben Webster e Coleman Hawkins e a técnica de Charlie Parker.
Curtis representava um padrão a mais da rica tradição de saxofonistas texanos, cujas melodias fundiam blues e jazz em uma poção mágica de um som forte, que definiram um estilo próprio e reconhecido como a “marca” dos Texas Tenors. Foram saxofonistas duros, forjados nos campos e nos bares do sul, que triunfaram nas grandes salas do norte, mas também injustamente relegados a um segundo plano na história da música. Sem deixar de lado a técnica, apostavam na contundência do som, com um sentimento que talvez também antecipasse a alma do soul.
O saxofone de Curtis se situa dentro do extenso e complexo mundo do rhythm and blues, nascido no calor da Segunda Guerra Mundial e que viveu sua época dourada nos anos cinquenta e sessenta, em correlação com as aspirações sociais, políticas e econômicas afro-americanas. É uma música forjada como celebração coletiva que surge ecoando dos guetos negros.
A experiência amadureceu seus conhecimentos como arranjador e o levou a Nova Iorque, onde se instalou definitivamente e onde sua carreira nunca deixou de crescer, principalmente desde a entrada na Atlantic, a companhia fonográfica independente que apostou no rhythm and blues, a nova música negra do momento e que gravou gigantes como Big Joe Turner, Ruth Brown, Ray Charles e Solomon Burke.
No final dos anos cinquenta, Curtis havia se consolidado como um nome essencial tanto para o rhythm and blues como para o rock’n’roll, após ter participado em inúmeras gravações como músico de estúdio. Foi um dos saxofonistas mais requisitados por Buddy Holly, Wilson Pickett, Salomon Burke e Aretha Franklin. Seu estilo, direto e sensual, lhe valeu prestígio e reconhecimento, mas, assim com Louis Jordan ou os Texas Tenors, precisava liderar o próprio grupo para estar satisfeito consigo mesmo.
O primeiro êxito solo chegou em 1962, com o single Soul Twist, instrumental dançante e festivo no qual demonstrou sua forma de compreender a música. Composições simples, mas com inigualável groove, que serve como base para improvisos livres plenos de sentimento.
Junto ao Soul Twist, gravou para a Enjoy uma série de instrumentais únicos, enquanto convertia seu saxofone na melhor voz de um cantor. Temas como Wobble Twist, Twisting Time, Sack O’ Woe e Get With It têm sido redescobertos aos poucos e são exemplos de como deve tocar uma banda. Também cantou em I Know (You Don’t Love Me No More), de Barbara George e em What I’d Say, versão de Ray Charles, demonstrando que seu talento iria sempre além.
Curtis utilizou os fundamentos do rhythm and blues para desenvolver seu estilo. Com seus instrumentais, rompeu os moldes da canção pop e imprimiu-lhe sua personalidade em temas infinitamente produtivos. Sua capacidade para distender as notas, para utilizar os espaços, lhe deu uma autoridade inigualável, mas, embora brilhante, era uma figura obscura na retaguarda.
Os anos sessenta foram especialmente prolíficos para King Curtis. Gravou seu primeiro disco como vocalista, com um repertório de blues clássico – Trouble in mind. Fez o show de abertura dos Beatles no estádio Shea, de Queens, em 1965, e continuou gravando discos e fazendo shows memoráveis.
No final da década, passou a ter um papel ativo como produtor na Atlantic, contratando talentos e produzindo por sua própria conta. Junto com Wexler, alcançou outro grande êxito, Memphis Soul Stew, com base no funk, recolhendo a mudança nos sons e ritmos da música negra para dar um passo além: encarnar a fusão funk e personificar a renovada imagem do negro norte-americano.
Assim, foi também um símbolo do black is beautiful, da confiança e do amor próprio dos tempos de Black Power e de luta pelos direitos civis, pois, mesmo sem um discurso abertamente político, Memphis Soul Stew refletia a mudança dos tempos e as esperanças de plenos direitos.
Com a colaboração de Duane Allman, apropriou-se pela primeira vez de hinos do rock dos anos sessenta, como Hey Joe (Hendrix esteve em uma de suas primeiras formações) e The Weight, adaptando-os, talvez, para atrair a atenção dos jovens da geração hippie.
Continuou explorando os terrenos do funk, incorporou arranjos de sopro e, inclusive, antecipou o smooth jazz. Seguiu-se Get Ready (Wounded Bird), um disco na mesma linha e que contou com a colaboração de Eric Clapton, em Teasin.
Passou então a ser diretor musical, dentro e fora dos estúdios, da banda de Aretha Franklin, com quem faria dupla em dois álbuns com o mesmo título - Live At Fillmore West -, fruto de três noites de atuações consecutivas na histórica sala de San Francisco.
Imediatamente o nome de Aretha foi consagrado como a Rainha do Soul, ocupando o topo das listas de rhythm and blues e pop.
Foi, também, precisamente da participação de King Curtis junto a Aretha Franklin no Festival de Jazz de Montreaux, em meados dos anos setenta, que surgiu sua obra póstuma, Blues at Montreux, de 1973, que o reuniu ao veterano pianista Champiom Jack Dupree.
Em vida, o último disco do qual Curtis participou foi Imagine, de John Lennon, em I Don’t Wanna Be A Soldier e em It’s So Hard.
Convertido em saxofonista de referência no rock’n’roll, no rhythm and blues, no soul e no funk, com incursões no mundo do jazz e do pop, sua despedida foi acompanhada por uma multidão, com sermão a cargo do reverendo Jesse Jackson.
Entre os presentes estavam sua companheira Aretha Franklin, o amigo Duane Allman, músicos de jazz como Dizzy Gillespie e seu “escudeiro” Ornette Coleman. Sua banda, Kingpings, despediu-se dele tocando Soul Serenade.