Chegou a ser descrito como um “devorador intelectual”, cuja avidez se estendeu ao cinema, realizando vinte e três filmes em vinte e cinco anos, quase todos versando sobre o amor ou a infância, invariavelmente com os mesmos colaboradores, apostando sempre na narração clássica.
Com uma personalidade afável e tímida, e por isso cativante, foi um crítico feroz, mas um cineasta que ensinava o humanismo. Amigo de Jean-Luc Godard durante a juventude, o tempo e algumas controvérsias intelectuais se encarregaram de distanciá-los: o radical e politizado Godard jamais perdoou o convencionalismo e a massividade dos filmes de Truffaut, que buscava alcançar a emoção perfeita e não a razão absoluta.
A par disso, expressou uma ideia sobre o amor, talvez gerada a partir da literatura, como “o único argumento possível, o argumento dos argumentos [...] estatisticamente, se poderia dizer que nove de cada dez filmes tratam do amor... e não creio que seja suficiente” - escreveu.
Dizia também que um artista trabalha exclusivamente com o que é capaz de viver desde o nascimento até os catorze anos. Nesse período, ele não conheceu senão uma estranha sensação entre a ira, o desprezo e algo semelhante ao vazio. A mãe o abandonou logo após o nascimento e não teve contato com ela até os três anos de idade. Mais tarde, quando morreu precocemente aquele que deveria ter sido seu irmão, a mãe, odiada e amada com a mesma força, voltou a abandoná-lo. Até os dez anos viveu com a avó e, ainda que tenha encontrado o pai biológico, jamais trocou uma única palavra com ele. Seus filmes são, nessa medida, manifestos da forma como procurou compreender a sua vida através do cinema e o cinema através da vida.
Entre suas obras, Les quatre cents coups (Os incompreendidos) é um retrato autobiográfico da dureza da infância. A ternura e a sensibilidade do filme é uma constante em toda a sua filmografia, especialmente quando aborda o tema da adolescência perdida, com em L'amour à vingt-ans (O amor aos vinte anos), La peau douce (A pele suave ou Um só pecado), Baisers volés (Beijos proibidos), Domicile conjugal (Domicílio conjugal) e L´enfant sauvage (O garoto selvagem).
A esse olhar sensível foi incorporando a evolução artística de uma refinada concepção estética e certa ironia. Seus trabalhos envolvem um amplo leque de gêneros e temáticas, que vão desde o relato policial (Tirez sur le pianiste - Atirem no Pianista - e Vivement Dimanche - De repente, num domingo), a ficção científica (Fahrenheit 451), o thriller amoroso (La Sirène du Mississippi - A sereia do Mississipi), o melodrama (La femme d'à côté - A Mulher do Lado), a reconstrução histórica ou de época (Les Deux Anglaises et le Continent - Duas Inglesas e o Amor e L'Histoire d'Adèle H. – A história de Adèle H,).
É difícil encontrar uma unidade temática em sua obra, que conta com alguns filmes ambiciosos e outros simples. Trata-se de uma obra que pode ser considerada “divertida”, mas nunca ingênua.
De qualquer forma, há um estilo pessoal em Truffaut com características marcantes, um cuidado especial com os personagens, que geralmente são sinceros e ternos, ocultando suas tragédias através de situações irônicas.
O narrador Truffaut surge em todos os filmes, mudando continuamente o rumo narrativo, utilizando imagens fixas tanto em meio a uma cena animada como ao final de um filme. O movimento da câmara revela o autor, convertendo-se a câmara em um elemento de escrita que expressa sentimentos e pensamentos. Em Jules et Jim, por exemplo, a câmara move-se constantemente, persegue os personagens em todos os seus movimentos para mostrar a instabilidade das relações.
Outra característica recorrente em seu estilo é a passagem rápida de um plano a outro, do cômico ao triste, do ingênuo à malícia, do sério ao irônico, produzindo um jogo entre tensões opostas, destacando o conflito gerado entre fantasia e realidade.
Filmografia
1958 - Une histoire d’eau (curta-metragem)
1959 - Les quatre cents coups
1960 - Tirez sur le pianiste
1961 - Jules et Jim
1962 - L'amour à vingt-ans
1964 - La peau douce
1966 - Farenheit 451
1967 - La Mariée était en noir
1968 - Baisers volés
1969 - La Sirène du Mississippi
1969 - L´enfant sauvage
1970 - Domicile conjugal
1971 - Les Deux Anglaises et le Continent
1972 - Une Belle Fille Comme Moi
1973- La nuit américaine
1975 - L'Histoire d'Adèle H.
1975 - La piel dura, L'Argent de Poche
1976 - L 'homme qui aimait les femmes
1978 - La Chambre verte
1978 - L'amour en fuite
1980 - Le dernier métro
1981 - La femme d'à côté
1983 - Vivement Dimanche