A esta cabeça já de si tão bela
Como antídoto da perfeição aspirada e temida
A vida, este embuste de Deus...
Criado no seio de uma família modesta, desde os primeiros anos descobriu os encantos e o poder da poesia, que ocupou um lugar central em sua vida, inclusive quando, em 1913, começou a carreira de medicina. Os poetas que desde essa época seriam seus preferidos foram Baudelaire e Mallarmé, os quais utilizaram a poesia não apenas como um objeto de deleite estético, mas como um meio de busca espiritual.
Quando se desencadeou a Primeira Guerra Mundial, foi mobilizado desde o início do ano de 1915 em um serviço sanitário. As leituras que realizou e as vivências obscuras da guerra fizeram com que sua sensibilidade e seu pensamento fossem afetados. Leu Lautréamont, Rimbaud, Jacques Vaché e Freud. Jacques Vaché, de quem realizou um retrato intitulado A confissão desdenhosa, é particularmente uma das figuras que mais admirou, pelo humor corrosivo, que atacava as hierarquias, seus valores sociais, sua visão mística da arte, etc. Seu suicídio, alguma semanas após o armistício, fez com que passasse a ser, aos olhos de Breton, um exemplo de resistência absoluta.
Em 1919 publicou o livro Mont de piété, onde demonstra a desconfiança cada vez maior para com a ordem poética estabelecida. Na obra, a questão das formas, da natureza e dos fins da poesia é colocada implicitamente em evidência. É especialmente evidente a importância que a escrita automática tem na obra, em grande parte pela possibilidade que oferece para resolver o conflito entre a necessidade irreprimível da escrita e da palavra, como um testemunho e como atitude diante da vida, além da tentação de utilizar o silêncio como forma de comunicação.
Em 1920 chegou a Paris o movimento dadaísta, com Tristan Tzara e foi violentamente rejeitado. Breton, Louis Aragon, Paul Éluard, Philippe Soupault e Picabia aderiram espontaneamente ao movimento e participaram ativamente nas manifestações e nos escândalos produzidos entre os anos de 1920 e 1921, os quais indignaram e alteraram os círculos literários e artísticos.
Porém, o nihilismo em que implicava o movimento dadaísta foi condenado desde o início. Breton via desde o princípio neste movimento um meio de comunicação e não um fim e, quando satisfez suas expectativas, afastou-se dele. A ruptura com Tzara ocorreu em 1922 e em torno da Litteraturé, revista fundada em 1919 por Aragon e Soupault, com participação de Breton, reuniram-se vários poetas jovens (Paul Éluard, Benjamin Perét, René Grevel, entre outros) e pintores (Max Ernst, Jean Arp, Michel Leiris, Antonin Artaud, Pierre Naville, André Masson e Joan Miró), que também deixaram o movimento dadaísta.
Em 1923 publicou o livro Clair de terre, cujo título, como os poemas impulsionados pelo grande redemoinho de imagens, é uma afirmação de esperança no homem, lançado sempre adiante por uma aspiração apaixonada à liberdade.
Através da publicação da revista La Revolución Surréaliste, a partir de dezembro de 1924, passaram a ser exteriorizados os ideias do grupo surrealista. No mesmo ano fundou o movimento surrealista, com a publicação do Manifesto Surrealista, que expressa sua ideia de revolução social:
“O Surrealismo se baseia na crença na realidade superior de certas formas de associação desdenhadas até o surgimento do mesmo e no livre exercício do pensamento. Tende a destruir definitivamente todos os demais mecanismos psíquicos e a substitui-los na resolução dos principais problemas da vida”.
O manifesto lança as bases do automatismo psíquico como meio de expressão artística, que surge sem a intervenção do intelecto e rapidamente se aproximou da política. Apesar do manifesto não estender seus ideais ao campo político e social, convidava cada homem a exaltar e a alimentar em si mesmo as forças de resistência e rebeldia, ao não conformismo absoluto.
Em 1927, Aragon, Élouard e Breton filiaram-se ao Partido Comunista, ainda que a ideia surrealista logo se afaste do comunismo oficial. Assim, o Surrealismo aproximou-se do comunismo, o que significou, para Breton, a vontade de trabalhar para a concretização da revolução social, a participação efetiva nas lutas de seu tempo e a utilização do Surrealismo para esta finalidade.
Em 1928 publicou, em Paris, de Le surréalisme et la peinture, e, em 1929, Breton alterou as bases do grupo com a publicação do Segundo Manifesto Surrealista, renomeando a revista para O Surrealismo à serviço da Revolução.
O início de seus trabalhos com o Surrealismo buscou desestabilizar de diversas formas os pilares da sociedade dominante: o trabalho alienante, a família constritiva, a pátria que mutila, a religião que mistifica e, nos últimos anos de sua vida, os falsos mitos da sociedade de consumo. Ao que tudo indica, jamais perdeu a esperança em uma reconciliação futura entre o comunismo e a libertação total do ser.
Essa capacidade foi manifestada pelo poeta em todos os seus livros desde o surgimento do Manifesto. Esteve atento para redefinir a exigência surrealista quando as circunstâncias o impuseram, como em 1929, com o Segundo Manifesto do Surrealismo ou em 1942, por meio dos “Prolegômenos a um terceiro Manifesto do Surrealismo ou não”.
O movimento evoluiu e começou, em seu interior, a esboçar os aspectos de um tipo humano novo e de uma ética de ruptura, interrogando sem descanso os diversos níveis da experiência humana, desde seus aspectos mais simples e vulgares até sua expressão mais íntima e mais avassaladora: o amor.
O livro Nadja, publicado em 1928, é um claro exemplo desta evolução surrealista. A protagonista do relato, baseado em uma história verdadeira, é dotada de poderes insólitos e, ao mesmo tempo, é um ser débil, que encarna a ideia da vida além de toda a prudência. Anuncia a revelação que se cumprirá pouco depois de seu desaparecimento na loucura: “a plena luz do amor onde se confundem, para a plena edificação do homem, as obsessivas ideias de salvação e perdição do espírito”, citando o Segundo Manifesto do Surrealismo.
A partir de então, o Surrealismo estabeleceu o amor como valor fundamental. A fé no amor persiste e deve resistir, para Breton, às decepções e aos fracassos; perdê-la é uma falta inexplicável, pois no amor de um ser reside a verdade essencial. Assim, não somente nos poemas reunidos em 1932 em Le Revolver à Cheveux Blancs ou em 1934, em L'Air de lieau, mas também em Les Vases communicants, de 1932 e em L´amour fou, escrito entre 1934 e 1936, o amor se situa no centro de sua inspiração e de seu pensamento.
Em Les Vases communicants, Breton se dedica a analisar em sucessivos sonhos e episódios mínimos da existência diurna a estreita relação que vincula o sonho à vigília. Toda uma rede de relações entre as preocupações afetivas e intelectuais e os acontecimentos exteriores que soa independentes delas é manifestada. Parece que a consciência não pode dar conta senão daquilo a que responde, inclusive de forma totalmente indireta, à necessidade inconsciente.
L´amour fou continua e explorar esses fenômenos, que Breton designa com o nome de “azar objetivo”, onde coincidem, para o maior deslumbramento do espírito, a necessidade natural e a necessidade humana, e a edificação, que não pode ser finalizada, de uma moral do desejo, acerca da qual Breton proclama sua inocência absoluta e radiante, na ruptura total com o pensamento cristão: “Nunca houve fruto proibido. Só a tentação é divina”. É pela ação do desejo que o homem chega a estabelecer relações novas, de participação e de transparência, com a natureza. O livro também testemunha a relação singular que une Breton à obra e à vida; relata não uma experiência acabada e fechada, mas uma experiência em processo de vida, aberta, na qual os escritos intervêm como chamado à transmutação do imaginário em real.
Estes três livros – Nadja, Les Vases communicants e L´amour fou -, que transcendem em muito a autobiografia, estão, ao mesmo tempo, intimamente ligados à existência de Breton. Em 1929 rompeu com a primeira esposa e, depois da relação exaltante e dolorosa evocada em Nadja e a publicação de Les Vases communicants, casou-se, em 1934, com aquela que inspirou e L´amour fou.
Entre 1935 e a guerra, realizou diversas viagens (Praga, Ilhas Canárias, Londres e México), que marcaram a extensão internacional do Surrealismo, cujas concepções haviam se estendido pelo mundo, constituindo-se grupos surrealistas em vários países, principalmente Iugoslávia, Bélgica, Checoslováquia, Brasil e Japão.
Em 1938, refugiado no México, onde permanece por quatro meses, encontra-se com Leon Trotsky e Diego Rivera, viajando pelo país e trocando ideias sobre a arte e a revolução proletária. Breton foi ao México, precisamente, para encontrar-se com Trotsky, que assim como ele e Rivera, fora excluído do Partido Comunista e, junto com ele, redigiu o manifesto da Federação Internacional de Artista Revolucionários Independentes, marcado claramente por ideias trotskistas que afirmam a necessidade da emancipação total do intelectual.
Em setembro de 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial, foi mobilizado como médico auxiliar na Escola de Aviação de Poitiers. Após o desastre de junho de 1940, passou algum tempo no sul da França, ainda não ocupado pelo exército alemão. Em Marselha, foi acolhido pelo Comitê Norte-americano de Ajuda aos Intelectuais, junto a outros escritores e pintores considerados suspeitos pelo regime de Vichy. Ali escreveu dois de seus grandes poemas: Pleine Marge e Fata Morgana (que foi proibido pela censura, considerado contrário ao espírito da revolução nacional). A publicação da L'Anthologie de l'humour noir, concebido entre 1937 e 1940 também foi bastante criticada.
Privado de toda possibilidade de expressão, o poeta recebeu visto para os Estados Unidos, para onde mudou-se com a família em março de 1941.
Estabeleceu residência em Nova Iorque entre o verão de 1941 e meados de 1946, onde trabalhou como locutor de rádio para sobreviver. Reencontrou vários amigos, como Marcel Duchamp e Max Ernst e novos colaboradores, com os quais organizou, em 1942, uma Exposição Internacional do Surrealismo e lançou a revista VVV: “Vitória sobre as forças de regressão e de morte desencadeadas atualmente sobre a terra... Vitória sobre o que tende a perpetuar a submissão do homem pelo homem... Vitória também sobre tudo o que se opõe à emancipação do espírito, cuja primeira e indispensável condição é a libertação do homem”.
Desta revista foram publicados apenas quatro números e, no último, no início de 1944, foi publicado o poema Les Etats généraux.
O acontecimento principal desse período foi o encontro com Elisa, em 1943, depois da ruptura com a esposa anterior. Ela foi a inspiração principal do livro Aracane 17, publicado em Nova Iorque em 1945. É uma obra de esperança cujo título se refere à décima sétima carta do tarô, a Estrela, símbolo do eterno renascimento. Através da realização humana da paixão, dos mitos de Osíris e Melusina, dos sonhos fecundos do pensamento utópico, o livro celebra o poder inalterável de regeneração e de recomeço, cujos meios são a rebeldia e o amor.
Um grupo surrealista amplamente renovado e composto, sobretudo, por jovens, se reconstituiu ao redor de Breton, que começou a publicar boletins que fixam a posição do Surrealismo sobre problemas políticos e sociais. Começaram a ser publicadas várias revistas, entre as quais Neon, Medium, Le Surréalisme Même, Bief e La Brèche. As exposições se sucedem; em Paris, por exemplo, foram realizadas três diferentes entre 1947 e 1965.
Os textos escritos por Breton neste períodos figuram em duas antologias: La Clé des champs, publicada em 1953, e Perspective cavalière, onde foram reunidos escritos em 1970, quatro anos após sua morte.
Em 1959, em Constellations, com a introdução e vinte e duas prosas paralelas de Breton às guaches de Miró, realizou-se de forma exclusiva a interpretação da pintura e da poesia, que é uma das principais contribuições do Surrealismo.
André Breton faleceu em 28 de setembro de 1966 e descansa em Paris, próximo a Benjamin Péret, seu amigo de toda a vida, falecido em 1959.