A justificativa para declinar – não apenas desta, mas de todas as honras oficiais – foi a afirmativa de que “um escritor não deve deixar-se converter em uma instituição” e, reiterando, disse Sartre que “um escritor que adota posições políticas, sociais ou literárias deve atuar dentro dos meios que lhe são próprios – a palavra escrita”.
Ao recusar o Prêmio Nobel, Sartre declarou ser livre. A liberdade, ponto fundamental de sua filosofia, fundamento da existência humana, sobre a qual Sartre escreveu com clareza e rigor durante toda a vida, nesse momento encontrou uma de suas traduções mais completas.
Ao longo da vida, Sartre buscou incessantemente desvelar o propósito da literatura. Em 1947, em O que é a literatura?, estabeleceu uma noção da literatura como algo sagrado, capaz de substituir as crenças religiosas antiquadas em favor de um posicionamento comprometido com uma função social. As últimas páginas de suas memórias, publicadas no mesmo ano em que recusou o Nobel de Literatura, trazem as palavras que comprovam essa convicção e a desesperança em alcançá-la: “Durante muito tempo busquei em minha pluma uma espada; agora sei que somos impotentes”.
Ao rejeitar a honra do Prêmio Nobel, Sartre reconhecia que, politicamente, a literatura comprometida era “reservada aos escritores do oeste ou aos rebeldes do leste”, assinalando suas deficiências eurocêntricas e sua capacidade para transformar um escritor em uma marca, uma instituição, uma mercadoria despolitizada.
Por outro lado, a Academia Sueca selecionara Sartre por sua influência ao longo dos anos, em um momento no qual o Existencialismo estava sendo eclipsado (e, mesmo ridicularizado como uma interpretação errônea de Heidegger, segundo Derrida) pelo Estruturalismo e o Pós-Estruturalismo.
Aparte isso, Sartre continuou a ser o filósofo do século XX: o “sapo filosófico incompreensível” para uns e aquele que incomodamente evocou as responsabilidades morais e políticas do homem, para outros.
Sartre afastou-se, sempre, do determinismo, da crença em um destino ou da mais vaga ideia de predestinação absoluta. Seu pensamento é, contrariamente, de que não há nada predeterminado e, em consequência, somos responsáveis por aquilo em que nos tornamos.
Através de uma obra que se compõe de textos literários, peças de teatro, ensaios e textos filosóficos, Sartre abraçou inúmeras causas, manifestou seu desejo de liberdade em cada atitude e em cada palavra, reforçando a opção por jamais renunciar à denúncia do que se opunha ao seu projeto humanista de liberdade.
Durante décadas a vida intelectual francesa foi permeada por sua filosofia, mas a mais contundente e importante de todas as homenagens que recebeu – e à qual não pode recusar-se - foi no momento de sua morte, quando uma multidão tomou as ruas de Paris para acompanhá-lo ao cemitério de Montparnasse, onde anos mais tarde uniu-se a ele sua companheira de sempre, Simone de Beauvoir.
Na atualidade, nada mais pertinente do que recordar os escritos de Sartre. O Ser e o Nada, por exemplo, ao compor a imagem do homem excessivamente servil e delicado em seus gestos continua a referir-se ao drama sombrio da superficialidade com que os homens se movem.
A peça Entre quatro paredes leva a pensar em quão desastrosas são as relações humanas, pelas exigências que fazemos aos outros – e os outros a nós - unicamente para confirmar uma autoimagem alheia ao que realmente somos.
Mais ainda, quando Sartre afirma que os seres humanos podem, através da imaginação e da ação, mudar seu destino, pesa sobre os ombros de cada um a responsabilidade da escolha, que nos converte em seres morais. É certo que frases como “o homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo” nos lançam em uma espiral de dúvidas que, não coincidentemente, remetem a um profundo sentimento de impotência e de angústia. Contudo, é o compromisso de Sartre com o socialismo, a sua luta contra o imperialismo e o fascismo, que resgatam o espírito dessa letargia.
A Náusea nos oferece a alegoria de Antoine Roquentin na galeria de arte de Bouville, olhando para as imagens dos próceres locais, satisfeitos consigo mesmos e imortalizados em seus poderes, através da qual percebemos que também somos capazes de nos enfurecer com os poderes auto constituídos, contra os que se auto intitulam “senhores” e nos atribuem a eterna subserviência, compartilhando da repugnância do personagem por essas figuras e de sua consciência da absurda contingência humana.
Em Intimidade, o personagem, assim como qualquer ser humano, por vezes receia a liberdade, fazendo o possível para que os outros tomem decisões por si. Ao lermos sobre as distinções entre o ser-em-si, o ser-para-si e o ser-para-outros, somos levados a pensar na natureza tragicômica do ser humano – um desejo de controle total sobre o próprio destino e de uma identidade absoluta, mas, ao mesmo tempo, a certeza da inutilidade desse desejo.
A difícil situação existencial da humanidade, seu destino absurdo, as responsabilidades humanas não assumidas, que Sartre identifica de forma brilhante, não desaparecem com o passar do tempo, por mais que se opte em ignorá-las.
Efetivamente, como ele próprio sentenciou, essa recusa em aceitar o que é ser humano é - assustadora e paradoxalmente - aquilo que os seres humanos insistem em fazer.