Inesgotável na criação e no uso de efeitos especiais, entre suas descobertas está o stop trick, tendo sido um dos primeiros cineastas a utilizar múltiplas exposições, a sobreposição e as dissoluções de imagens e os fotogramas coloridos a mão.
Sua habilidade em manipular e transformar a realidade o transforma em um mago do cinema. Dentre seus filmes, os mais conhecidos são Viagem à lua (1902) e A viagem impossível (1904), que narram viagens estranhas, surreais e fantásticas, inspiradas por Júlio Verne e que figuram entre os filmes de ficção científica mais importantes e influentes da história do cinema. Também foi o pioneiro do cinema de terror, com o filme Le Manoir du Diable (1896).
Desde criança, Georges Méliès demonstrava habilidade para o desenho. Estudou em Londres, para aprender inglês, onde conheceu o célebre ilusionista Maskelyne, interessando-se por sua arte. Quando voltou a Paris tinha a intenção de ingressar na Escola de Belas Artes, mas foi obrigado a ajudar a família em seus negócios, ficando encarregado de reparar e aperfeiçoar as máquinas da indústria de calçados do pai. Com a morte do pai, afastou-se do negócio e usou sua parte da herança e o dote da esposa para comprar, em 1888, o Teatro Robert Houdin, do qual era assíduo visitante e onde exercitava suas habilidades como ilusionista. Alternava suas apresentações de ilusionismo com truques de magia, a maioria criados por ele, e atuações teatrais alternadas por projeções de lanterna mágica e de sombras chinesas. Alcançou a fama como prestidigitador em 1895, combinando seu trabalho de diretor de teatro com o de repórter e desenhista no jornal Le Griffe. Nesse ano assistiu, convidado pelos irmãos Lumière, à primeira apresentação do Cinematógrafo. Impressionado, tentou comprar a máquina, mas Antoine Lumière, pai de Louis e Auguste, negou-se a vender-lhe o aparato que, segundo ele, “não tinha futuro”. Diante da negativa, comprou de outro inventor, Robert William Paul, um bioscópio. Começou então a realizar projeções em seu teatro. Movido pelo desejo de criar seus próprios filmes, transformou o bioscópio em uma câmera, com a qual rodou seu primeiro filme, Une partie de cartes. No ano seguinte, passou a projetar pequenas cenas de ar livre, documentários semelhantes aos dos irmãos Lumière, com um estilo que evoluiu rapidamente, buscando elaborar criações que se parecessem aos seus espetáculos de ilusionismo. Construiu, nos arredores de Paris, um estúdio no qual produziu e dirigiu, entre 1899 e 1912, cerca de quatrocentos filmes, na maioria comédias burlescas e ousadas. Dentre estas se destacam Cleópatra (1899), Cristo andando sobre as águas (1889), a célebre Viagem à Lua (1902), A viagem através do impossível (1904) e Hamlet (1908). Méliès tentou distribuir comercialmente Viagem à Lua nos Estados Unidos. Técnicos que trabalhavam com Thomas Alva Edison fizeram cópias do filme e as distribuíram por todo o país. Apesar de ter obtido êxito, a eclosão da Primeira Guerra Mundial afetou o seu negócio e a produção em massa de Pathé e Gaumont acirrou a concorrência em um mercado no qual também competiam Ferdinand Zecca, Louis Feuillade, o espanhol Segundo de Chomón e o americano David W. Griffith. Para sobreviver, Méliès se viu obrigado a trabalhar para Pathé e Edison, produzindo trezentos metros de filme semanalmente para Edison, trabalhando forçosamente por muitas horas. A produção em série não favorecia seu talento, pois não era capaz de produzir filmes dessa forma. As obras que produzia para Pathé sofriam cortes por parte de Ferdinand Zecca, operador da produtora, movido talvez pela inveja que (comentava-se na época) sentia de Méliès. A confirmação desse boato talvez esteja no fato de ter sido Zecca o primeiro a fazer um filme dramático – História de um Crime -, no qual imita a fórmula de Méliès, embora não tenha tido muito êxito nessa empreitada. Entre 1915 e 1923 Miélès montou inúmeros espetáculos. Nesse último ano, acossado por dívidas, vendeu suas propriedades e abandonou Montreil. Despediu-se do cinema, mas continuou empenhado em continuar no mundo do espetáculo, montando uma pequena companhia de teatro, que não obteve êxito. Em 1925 casou-se pela segunda vez, com Jeanne D’Alcy, sua musa e atriz que acabara de herdar uma pequena loja de brinquedos na Estação de Montparnasse, onde passou a trabalhar e onde foi reconhecido por León Druhot, diretor do Ciné-Journal, que o resgatou do esquecimento. Sua obra, a partir de então, foi redescoberta pela vanguarda cinematográfica francesa, especialmente pelos surrealistas. Morreu em Paris, em 1938, e seus restos mortais descansam no cemitério Père-Lachaise. Em sua lápide está escrito: “Georges Méliès: criador do espetáculo cinematográfico”. |
Para Méliès, o cinema era um instrumento para exercitar suas habilidades de ilusionismo. Nunca pensou que estivesse desenvolvendo uma nova arte, mas sim um brinquedo sofisticado com o qual demonstrava seus truques. Sua experiência o levou a inventar diversos efeitos, que passaram para a história do cinema de animação. Também trouxe para a linguagem cênica características inovadoras com suas formas, elementos visuais, decoração e movimentos de atores, maquiagem e fortes contrastes. Com indiscutível talento como diretor, coordenou pessoalmente toda a equipe de seu estúdio, desde carpinteiros, bailarinas, cenógrafos, maquiadores, costureiros... Encarregou-se pessoalmente da construção de plataformas para integrar melhor os aparelhos que idealizou nas filmagens e projetou um segundo estúdio, maior. |
Foi o introdutor da ficção e dos efeitos especiais no cinema, que criou por acaso ou através de projetos cuidadosamente estudados, dentre os quais:
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O primeiro foi Le Grand Méliès, dirigido por Georges Franju, produção francesa que recria alguns momentos de sua vida, incluindo fragmentos de alguns de seus filmes, protagonizado pelo filho de Georges Miélès, André, que interpretou o papel do pai.
O segundo, dirigido por Martin Scorsese e baseado em no livro homônimo, de Brian Selznick, é A invenção de Hugo Cabret, que revisita a vida e a obra de Méliès através de um menino de 12 anos.
Em 1993 foram descobertos 13.375 fotogramas e o original de Viagem à Lua, colorido à mão, no arquivo da Filmoteca da Catalunha. Esse original foi submetido a um longo processo de restauração, concluído em 2010.
Na sequência, o filme mudo de dezesseis minutos ganhou trilha sonora, composta por Nicolas Godin e Jean-Benoit Dunckel (AIR), sendo exibido no festival de Cannes de 2011, no mesmo ano em que foi lançado o filme de Martin Scorsese sobre Miélès.
Viagem à lua, colorido e restaurado, pode ser assistido no Youtube: