A obra de Erico Verissimo, editada em mais de trinta idiomas, compõe-se de dezenas de romances, narrativas de viagens, livros infanto-juvenis, ensaios, contos e uma autobiografia inconclusa.
Esse vasto universo é um marco essencial para compreender as aproximações entre a literatura e a história e, mais precisamente, entre o homem e a vida.
O Continente, escrito em 1949, é a primeira parte da trilogia, considerada unanimemente como uma das obras mais importantes da literatura brasileira. Narra desde a chegada dos espanhóis, no século XVI, as reduções, as guerras fronteiriças e as sucessivas revoluções que marcaram o território do Rio Grande do Sul.
Seu olhar é vasto, criando um microcosmo que, ao mesmo tempo, ilustra e contextualiza a história e explica todas as dimensões da condição humana, a partir da ideia de que a fictícia Santa Fé reflete, em seu cotidiano, as circunstâncias do tempo e do homem.
Os personagens são carregados pela impressão da terra, do sangue, das paixões e dos desejos, do idealismo, das virtudes e dos desvios humanos. Tecendo magistralmente personagens inesquecíveis como Ana Terra e Rodrigo Cambará, desenvolve um imaginário de uma riqueza imensa e notável sensibilidade.
O Retrato cristaliza as ideologias de entre-guerras, em um estado que se erigiu como o mais importante do Brasil a nível militar, contrastando a identidade com a identificação do homem (consigo mesmo e com seu passado), a idealização com a realidade. Os personagens, agora, já não são protagonistas da história; Santa Fé permanece provinciana e distante e os movimentos da história são forças às quais a vontade se curva, postas para serem discutidas em nível político, ideológico ou filosófico, pois o retrato idealizado já não cabe na realidade da vida.
Em O Arquipélago os personagens se debatem entre a tradição e o progresso, entre o novo e o antigo, dicotomia eterna do ser humano. É uma crônica da sociedade contemporânea vivida e sentida por Erico Verissimo através de personagens em que se aprofundam perfis psicológicos e sociológicos, acompanhando a história que, em seu movimento contínuo, vai mesclando os homens e os fatos, o lugar e o universo, passado e futuro, em uma unidade que já não pode ser desfeita, em um arquipélago no qual Santa Fé não pode mais ser uma ilha.
O universo dialético de O tempo e o vento pode ser explicado pelo diálogo entre o feminino (tempo) e o masculino (vento). A verticalidade da construção das personagens femininas contrasta com a horizontalidade do universo masculino: a história é o homem, as guerras, a violência; sua compreensão é a mulher, a vida, o nascimento - é a tesoura de Ana Terra, que corta o cordão umbilical dos Terra-Cambará recém-nascidos.
A voz feminina se eleva, apesar do vento (“parece que o vento maneia o tempo”, diz Ana Terra) – e conduz a percepção da narrativa crua da história dos homens, imprime a sensibilidade necessária e equilibra todos os eventos. Não fosse pelo tempo, a história seria outra e seus movimentos levariam a outros caminhos. Não fosse pelo tempo, o vento desumanizaria a história.
Esse elemento é presente em toda a obra de Erico Verissimo – e não apenas em O tempo e o vento. As mulheres, como figuras centrais e predominantes, são uma força literária e humana representativa, descritas em universos ambivalentes, mas, cada uma a seu modo, dotadas de um caráter que se sobrepõe, nas descrições, às características físicas. São, por isso, heroínas de uma nobreza ímpar, diferenciadas de muitos tipos comuns presentes nos romances tradicionais.